Violência obstétrica atinge cerca de 45% das mulheres na rede pública brasileira, aponta estudo - FRONT SAÚDE
Pregnant woman with ultrasound photo sitting on bed

Violência obstétrica atinge cerca de 45% das mulheres na rede pública brasileira, aponta estudo

O termo violência obstétrica ganhou notoriedade nas últimas semanas, depois que a influenciadora Shantal Verdelho acusou o ginecologista Renato Kalil de maus-tratos durante seu parto em uma maternidade particular na capital paulista. Na rede pública, as gestantes estão ainda mais suscetíveis, de acordo com a mais ampla pesquisa já feita sobre o tema.

O levantamento Nascer no Brasil, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), de 2012, mostra que 30% das mulheres atendidas em hospitais privados sofrem violência obstétrica, enquanto no Sistema Único de Saúde (SUS) a taxa é de 45%. Em casos extremos, as violações podem resultar até em morte da mãe ou do bebê.

Violência obstétrica é toda ação feita sem o consentimento da mulher, que desrespeite sua autonomia e cause sofrimento físico ou emocional. Pode ocorrer no pré-natal, parto, pós-parto e abortamento. Inclui a adoção de procedimentos sem evidências científicas de benefícios — como episiotomia de rotina, tricotomia e manobra de Kristeller —, além de práticas como obrigar o jejum durante o parto, proibir a paciente de se movimentar, de estar acompanhada e até xingá-la. Abrange ainda a negligência no atendimento, a discriminação racial e o abuso sexual. Frases comuns ao repertório dos abusadores são: “na hora de fazer, você não gritou” ou “você vai acabar matando seu bebê”.

Professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a pesquisadora Tatiana Henriques investiga as consequências da violência obstétrica para as mulheres e seus bebês. Ela integra a equipe que vai coletar novos dados para a pesquisa Nascer no Brasil. Segundo Tatiana, as vítimas sofrem mais com depressão pós-parto, deixam de procurar o serviço de saúde depois que o filho nasce e têm mais dificuldade para amamentar.

“Ainda não há evidências científicas de que o bebê nasce com o Apgar (índice de vitalidade do recém-nascido) mais baixo, vai mais para UTI ou a óbito. Mas, quando pensamos que uma das dimensões da violência obstétrica é a negligência, então não é nenhum absurdo fazer essa associação”, observa Tatiana.

O parto é um ato fisiológico que requer intervenção médica somente em casos específicos. Mas a realidade é outra, sobretudo no Brasil, que é o segundo país do mundo em número de cesarianas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2018, 55,7% do total de nascimentos foram cirúrgicos, atrás apenas da República Dominicana, com 58,1%. Embora salvem vidas quando necessárias, as cesáreas também têm riscos. A recomendação do órgão é que não excedam 15% do total de partos, de modo a reduzir os índices de mortalidade da mãe e do bebê. No setor privado, a proporção de cesáreas chega a 88% dos nascimentos; no público, a 46%.

Faltam estatísticas no Brasil. A procuradora Bruna Menezes, do Ministério Público Federal, coordenou um comitê pioneiro de enfrentamento à violência obstétrica no Amazonas e afirma que quase a totalidade de cerca de 150 casos investigados em sete anos foi arquivada pelo Conselho Regional de Medicina, sem análises aprofundadas e com base na palavra do profissional de saúde. Na Justiça, houve algumas condenações que somaram mais de R$ 1 milhão em indenizações contra o Estado.

Principais práticas condenadas na hora do parto

Episiotomia

Corte no períneo, grupo de músculos entre o ânus e a vagina que sustenta os órgãos pélvicos, feito sob o argumento de que facilita a saída do bebê. Pode levar a lacerações graves e à disfunção do assoalho pélvico.

Ocitocina sintética

Conhecida como “sorinho”, é administrada para acelerar o trabalho de parto, mas pode gerar complicações, como alterar batimentos cardíacos do bebê, hemorragia e ruptura do útero.

Manobra de Kristeller

O profissional de saúde pressiona o útero da gestante com as mãos para forçar a saída do bebê. Pode levar à ruptura uterina, fratura de costelas, dano ao esfíncter anal e traumatismo craniano no feto.

Litotomia

Conhecida como posição ginecológica, a mulher fica deitada e com as pernas flexionadas — forma como a maioria das mulheres têm parto vaginal no Brasil, embora contraindicada. Posições mais verticais, com a mãe ajoelhada, sentada ou de cócoras, são mais eficazes.

Tricotomia

Depilação da vulva e do períneo, com o objetivo de higienizar a região e facilitar a sutura. Não é recomendada pela OMS e pode aumentar risco de infecções.

Fonte: O Globo