Mastectomia Masculinizadora e o reconhecimento da identidade em pessoas trans - FRONT SAÚDE

Mastectomia Masculinizadora e o reconhecimento da identidade em pessoas trans

Um homem trans é uma pessoa que nasce em um corpo feminino e anseia pelo reconhecimento de sua identidade, uma vez que vive em um corpo do qual se sente desconectado de si.

No processo de reconstrução dessa identidade existe o desejo em algumas pessoas, de serem submetidas à hormonização e cirurgias que promovam a transição para o sexo oposto ao corpo atual. Nesse contexto, a cirurgia masculinizadora vem sendo uma solução, pois, a presença dos seios é um forte vínculo com a feminilidade. Normalmente, a conduta médica consiste em orientar quanto ao acompanhamento psicológico e psiquiátrico para que se tenha uma avaliação de que o paciente está apto a realizar a transição sob o aspecto psicológico.

Um tratamento anterior à cirurgia deve ser feito para evitar a reposição natural da glândula mamária pelo organismo, após o procedimento. A cirurgia tem um custo aproximado entre R$12 e R$30 mil, no entanto, o procedimento é coberto pelo Processo Transexualizador do Sistema Único de Saúde (SUS), previsto pelo Artigo 2 da Portaria nº 2.803 do Ministério da Saúde, que prevê “integralidade da atenção a transexuais e travestis , não restringindo ou centralizando a meta terapêutica às cirurgias de transgenitalização e demais intervenções somáticas”.

A mastectomia ou mamoplastia masculinizadora consiste na retirada da glândula mamária. Segundo a médica cirurgiã, mastologista e oncoplastica, Camila Macedo Loureiro, “a mastectomia masculinizadora salva vidas, no sentido de fazer com que muitas pessoas trans consigam ter uma relação mais feliz com o próprio corpo e com as relações sociais e profissionais”.

Adam Gabriel (20), conseguiu realizar a mastectomia pelo plano de saúde há cerca de 1 ano. Desde os 14 convivia com o drama de não se reconhecer no corpo em que nasceu. “Foi o meu renascimento. Acordei e já me reconheci, e a partir daí me sinto seguro e realizado”.

No mês em que se comemora o Orgulho LGBTQIA+ a A Front Saúde entrevistou a Dra. Camila Macedo Loureiro

F : A mastectomia masculinizadora geralmente ocorre após o tratamento hormonal?

C : Não consideramos correto dizer tratamento hormonal, mas sim, hormonização, para evitar que se relacione o tratamento à uma doença, o que vai contra o processo de despatologização das identidades trans. A mastectomia masculinizadora, como o nome diz, tem por objetivo deixar o tórax com um aspecto semelhante ao dos tóraces masculinos. A hormonização, por sua vez, visa o desenvolvimento de caracteres sexuais secundários como o engrossamento da voz e dos pelos corporais e maior desenvolvimento da musculatura. É muito importante ressaltar que a necessidade de qualquer uma dessas etapas deve ser desejada e sinalizada pelo próprio paciente, pois, há pessoas que trabalham com a voz e não desejam modificá-la, por exemplo.

F : Quais as técnicas utilizadas no procedimento?

C : Existem técnicas que usam cicatrizes menores junto à aréola e outras, nas quais é necessária a retirada maior de pele e portanto, geram uma cicatriz maior (técnica do sorriso). Nesse último caso, costumamos fazer o enxerto de auréola e mamilo. A escolha da técnica é feita após análise das características físicas do paciente.

F : Recomenda-se um acompanhamento multidisciplinar antes e depois da cirurgia?

C: Sim é fundamental no processo de transição e para que a cirurgia seja realizada existe uma exigência legal de laudo com liberação de profissionais da psicologia e psiquiatria que indique acompanhamento de longo prazo. Além disso, acompanhamento fisioterápico pode ajudar na recuperação.

F : Na sua opinião a classe médica, de um modo geral, está preparada para lidar com as peculiaridades desse tipo de cirurgia?

C : Honestamente não. Se analisarmos a formação nas escolas médicas, percebe-se que pouco ou nenhum investimento é feito para um desenvolvimento específico de modelo de assistência, voltado para pessoas trans. Isso se reflete em profissionais muito pouco familiarizados com as questões relativas à transgeneridade. Para que um profissional aprofunde seus conhecimentos nesse sentido, ele depende quase que exclusivamente de iniciativas individuais, o que restringe muito o alcance dos saberes.

F : Os hospitais e o corpo hospitalar estão sendo orientados quanto ao tratamento dado aos pacientes trans?

C : Como pessoa que presta assistência a indivíduos trans no contexto de hospitalização, percebo pouco ou nenhum interesse institucional na promoção de treinamentos nesse sentido. Há curiosidade por parte dos profissionais de saúde, mas individualmente. De minha parte, sempre me disponho a orientar e esclarecer os profissionais que irão prestar assistência aos meus pacientes para tentar evitar eventos transfóbicos, e consequentemente causar mais constrangimento para alguém que já está numa posição vulnerável.

F : Essa cirurgia deve ser feita exclusivamente por especialistas ou é feita em conjunto com um cirurgião plástico?

C : Em teoria, qualquer cirurgião que conheça as técnicas e tenha treinamento pode realizar.