A história do estudo das vacinas se divide entre antes e depois da pandemia da Covid-19, contam especialistas sobre a criação em tempo recorde dos imunizantes contra a doença. Hoje, cientistas do mundo inteiro desenvolvem uma nova geração de imunizantes por meio de diferentes plataformas e facilidades comerciais.
As vacinas contra Covid foram criadas rapidamente devido ao financiamento gigantesco das empresas que assumiram o risco de dar errado e perder dinheiro. Mesmo com as fases de desenvolvidas sendo respeitadas, foram feitas simultaneamente, aumentando o risco.
— A vacinologia antes da Covid era uma coisa e depois vai ser outra porque aprendemos que os imunizantes podem ser desenvolvidos muito mais rapidamente. Antes a média era 10 anos e agora temos produtos desenvolvidos em menos de um ano. Gerou incertezas sobre quanto tempo a resposta imune dura, mas tinha urgência e foi feito. Então acredito que vai acelerar, mas também não vai ser tão rápido quanto foi, talvez esse prazo deva passar para dois, três anos — afirma Ricardo Gazzinelli, professor da UFMG e pesquisador da Fiocruz, e presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia.
Para Gazzinelli, a grande revolução foram as vacinas de RNA, como Pfizer e Moderna. Agora, a sua aposta é a vacina de DNA, que segue uma linha um pouco parecida com a de RNA mensageiro. No caso, o DNA é injetado e a célula vai sintetizar o RNA e depois a proteína do vírus — em vez de injetar direto o RNA, como as atuais. A vantagem é o ganho em estabilidade, que possibilita armazenar a vacina em refrigeradores comuns, diferentemente das outras que precisam ser mantidas a –70°C ou -20°C.
Outra opção promissora é o método Crispr/Cas9, a qual as pesquisadoras receberam o Nobel de Química de 2020, para edição de genoma que permite atenuar microrganismos com segurança e serviria para a nova geração de patógenos.
Estudos sobre uma nova forma de injetar a vacina sem agulha como por adesivo ou por uma seringa sem agulha que empurra o imunizante através da pele.
A microbiologista e pesquisadora da USP Natalia Pasternak acredita que novas tecnologias usando nanocarregadores em plantas ou nanobactéria possam ser possíveis em até cinco anos. Nos Estados Unidos, um grupo desenvolveu uma plataforma vacinal baseada em vírus que atacam plantas ou bactérias. A plataforma usa os vírus como portadores de fragmentos do vírus da covid, que podem provocar uma resposta imune em humanos, protegendo da doença.
Para Natalia, a questão científica está resolvida e o desafio são os problemas sociais. As vacinas em que a plataforma vacinal são plantas ou bactéria são boas, porque são fáceis de produzir em qualquer lugar do mundo e não precisam de segurança máxima.
— Não é que as primeiras vacinas sejam ruins e que devamos esperar pelas próximas. Elas podem ser iguais em termos de qualidade e segurança, mas as novas podem ser mais baratas, mais fáceis de fabricar e de transportar. Tem mais a ver com questões de mercado. Mais apropriadas até para países em desenvolvimento que têm dificuldade de comprar e distribuir.
No Brasil, Pasternak vê com bons olhos o desenvolvimento da Butanvac, a vacina do Instituto Butantan.
— A Butanvac é uma vacina moderna, mesmo sendo inativada, porque mescla o SARS-CoV-2 com o vírus de Newcastle, que é um vírus que se reproduz bem em aves, e pode ser cultivado em ovo. Esse vírus modificado vai carregar a proteína do coronavírus para dentro da célula humana. A estratégia é boa porque produzir em ovo é barato e pode ser feito na fábrica que o Butantan tem. Além de ser uma técnica segura. Estamos acompanhando os resultados.
A microbiologista acredita que é possível criar vacinas que atuem sobre regiões conservadas do vírus para atingir todos os coronavírus. A vacinação contra a gripe é um caminho que já vem sendo buscado por empresas como a Moderna.
— Tudo que você puder combinar numa vacina é bom. Como a tríplice viral ou a tríplice bacterina, uma injeção só que cobre mais doenças e a pessoa vai só uma vez ao posto. Isso é sempre vantagem, e como acreditamos que a Covid vai se tornar endêmica como a gripe, é um benefício — afirma Pasternak.
Pandemia não acabou
Para Sue Ann Costa Clemens, responsável por trazer os estudos da vacina Oxford/AstraZeneca ao Brasil, chefe do comitê científico da Fundação Bill e Melinda Gates, e diretora do primeiro mestrado em vacinologia do mundo, na Universidade de Siena, as próximas vacinas devem ser pensadas no contexto de pandemia. Um nova versão da variante Delta já está provocando aumento nas hospitalizações em alguns países e menos de 10% da população da África foi vacinada.
Delta Plus
Para Clemens, a duração da proteção de cada vacina, o espectro da proteção (anticorpos, anticorpos neutralizantes e imunidade celular) e as diferentes respostas divididas por diferentes faixas etárias ainda estão sem respostas. É importante estudar as possibilidades que já existem, analisar dados sobre a mistura de plataformas e de regime, como número e intervalo de doses.
De acordo com ela, é possível ter proteção mais robusta usando vacinas de plataformas diferentes, em especial, misturando as de vetor viral (Oxford/AstraZeneca e Janssen) e RNA mensageiro (Pfizer e Moderna).
— Para as vacinas de segunda geração, a ideia é aumentar o espectro contra as variantes e a durabilidade de proteção.
A biotecnologia Gritstone está desenvolvendo uma vacina que usa plataformas heterólogas, com uma dose de vetor viral e a segunda dose de RNA mensageiro. O imunizante está sendo pesquisado para atuar em múltiplas proteínas, não apenas na proteína Spike, o que pode atuar contra diferentes variantes.
— A ideia para o futuro, mais a longo prazo, é proteger contra a famílias de vírus, no caso, do coronavírus, que já provocou a SARS, a MERS e a Covid. Vamos tentar nos preparar para a próxima mutação dessa família. Para um futuro mais próximo temos que tentar frear essa pandemia com olho nas variantes e na duração da proteção. Estamos aprendendo com o que temos nesse um ano e meio.
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