Deltacron: o que já se sabe sobre a nova variante - FRONT SAÚDE

Deltacron: o que já se sabe sobre a nova variante

O aparecimento de novas variantes do coronavírus é acompanhada com muita atenção pelos cientistas do mundo todo. Recentemente, os pesquisadores identificaram o surgimento de uma linhagem que combina características genéticas duas outras cepas do SARS-CoV-2: a Ômicron e a Delta, informalmente chamada de Deltacron.

O que se sabe é que a variante foi identificada em poucas amostras, em países como França, Holanda e Dinamarca. Na última terça-feira (15), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, confirmou a identificação dos dois primeiros casos no Brasil, nos estados do Amapá e Pará.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) informa que estudos sobre as características epidemiológicas da nova variante estão em andamento.

Como acontece a combinação de duas variantes

Uma pessoa pode ser infectada ao mesmo tempo por duas linhagens diferentes coronavírus. Casos de coinfecção já haviam sido relatados antes em diversos estudos científicos. No organismo humano, o vírus invade células com o objetivo de produzir inúmeras cópias de si mesmo.

O virologista Fernando Spilki, pesquisador da Universidade Feevale, do Rio Grande do Sul, explica que em um caso de coinfecção é possível que duas linhagens de vírus penetrem a mesma célula humana. Nesse momento, as enzimas utilizadas na replicação podem absorver informações genéticas das duas cepas envolvidas, gerando uma cópia viral mista, como no caso da Deltacron.

“A recombinação acontece quando dois genomas se encontram na mesma célula. Durante o processo de replicação, as enzimas que fazem a síntese de moléculas de RNA ‘filhas’ acabam utilizando genoma de Delta em um momento e genoma de ômicron em outro como molde e acabam gerando um RNA na forma de mistura dos dois”, explica Spilki.

O genoma final, formado por meio da combinação, pode ser ou não capaz de se multiplicar e de gerar cópias idênticas de si mesmo.

“No caso da Deltacron, ela é praticamente todo o genoma de Delta com um fragmento que codifica a proteína Spike oriundo de Ômicron. Esse genoma foi viável, ou seja, consegue se multiplicar e gerar vírus capazes de passar de uma pessoa para outra, daí se estabelece uma nova variante”, completa.

Segundo pesquisador José Eduardo Levi, da Universidade de São Paulo (USP), a detecção de uma linhagem mista como a Deltacron pode ser feita a partir da análise do sequenciamento genômico do vírus.

Com o diagnóstico do vírus, os pesquisadores realizam o sequenciamento genômico da amostra, o que permite identificar a linhagem envolvida, além de traçar a origem e circulação do vírus. As informações genéticas da análise são depositados em bancos de dados internacionais, como o Gisaid.

“Com a sequência genômica completa do vírus em mãos, rodamos em um programa que busca informações características de cada linhagem. Nesse momento, podem ser identificadas características que diferem da variante identificada em um primeiro momento, foi o que aconteceu. A Deltacron basicamente tem uma Spike de Ômicron e o resto de Delta”, afirma Levi.

Monitoramento

Desde o surgimento da pandemia, a OMS orienta que os países façam a testagem e o sequenciamento genômico do coronavírus, com o intuito de identificar com agilidade as possíveis mutações virais.

A Deltacron tem sido monitorada pela OMS. Em entrevista à imprensa, a diretora técnica da OMS, Maria Van Kerkhove, afirmou que foram identificados poucos casos no mundo até agora.

“Estamos cientes dessa combinação. É uma combinação de Delta AY.4 e Ômicron BA.1. Foi detectada na França, na Holanda, na Dinamarca, mas há níveis muito baixos dessa detecção. O recombinante, em si, isso é algo que se espera, dada a quantidade intensa de circulação que vimos tanto com Ômicron quanto com Delta”, afirmou Maria à imprensa.

Características epidemiológicas

Com a identificação da nova variante, os cientistas se mobilizam para identificar sobre quais seriam os impactos da linhagem para as vacinas em uso e para os testes de diagnóstico, assim como as características clínicas como, por exemplo, a transmissibilidade e gravidade da doença.

Segundo a diretora técnica da OMS, os estudos sobre a Deltacron ainda estão em desenvolvimento.

“Não vimos nenhuma mudança na epidemiologia com este recombinante, não vimos nenhuma mudança na gravidade, mas há muitos estudos em andamento. A OMS está ciente disso por causa de nosso Grupo Técnico Consultivo para Evolução de Vírus, que se reúne regularmente desde junho de 2020 exatamente por esse motivo”, disse Maria.

O pesquisador Fernando Spilki também afirma que o entendimento das características principais da Deltacron depende de avanço nos estudos.

“Sobre a transmissibilidade a virulência, se causa ou não doença mais grave e efeito para as vacinas, a resposta é que não sabemos ainda. Tudo está sendo investigado, até mesmo por que o número de casos é muito pequeno”, disse.

Para os especialistas, mesmo que variante tenha apresentado potencial de transmissão, não existe motivo para alardes. “A variante não deveria mudar o nível de atenção que nós já deveríamos ter em relação ao manejo da pandemia. Já temos circulando ramificações de Ômicron, como a variante BA.2, causando novo aumento de casos”, disse Spilki.

“Do ponto de vista epidemiológico, não parece estar aumentando o número de casos. Além disso, não é esse tipo de recombinante que preocupa, mas sim aqueles entre vírus de espécies diferentes. Uma recombinação do vírus humano com o de rato, ou de humano com vírus do porco. São essas que provocam grandes mudanças no vírus e que podem fazer com que ele se torne mais patogênico”, completa Levi.

Atualização de vacinas

As vacinas contra a Covid-19 no mundo têm o obejtivo de prevenir contra a morte e formas graves da doença. De acordo com a OMS, os imunizantes atuais possuem altos níveis de proteção diante da infecção pela Ômicron.

As vacinas de hoje são baseadas em cepas do vírus que circularam no início da pandemia, como as linhagens de Wuhan, na China. Houve uma evolução contínua e substancial do vírus que deve continuar resultando em novas variantes.

O Grupo Técnico Consultivo sobre Composição da Vacina Covid-19 da OMS ressalta que a composição das vacinas deve precisar passar por atualização, com o objetivo de manter a proteção contra doenças graves e mortes, garantindo a amplitude da resposta imune contra variantes circulantes e emergentes.

O grupo de trabalho da OMS incentiva os fabricantes de vacinas contra a Covid-19 a produzir e fornecer dados sobre o desempenho dos imunizantes atuais e em testes para variantes específicas, que inclui a amplitude, magnitude e durabilidade das vacinas.

Fonte: CNN

Foto: Josué Damacena/IOC/Fiocruz