Saúde Mental

Setembro Amarelo: adoecimento mental da população LGBTI+ é uma das principais consequências do preconceito

Há anos a campanha de conscientização sobre doenças emocionais e psicológicas, intitulada “Setembro Amarelo”, promove e discute políticas públicas direcionadas à saúde mental no Brasil. Os debates, no entanto, ainda não são aprofundados quando se inclui a população LGBTI+, uma das parcelas da sociedade mais atingidas por omissões do Estado e pela intolerância. Mas o que torna essas pessoas propensas a serem afetadas psicologicamente? Existe acolhimento real para qualquer cidadão que foge dos padrões da heterocisnormatividade?

Segundo o Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil, apenas em 2022 foram registradas 273 mortes violentas de LGBTI+ no país. Deste total, 30 foram suicídios – número que fica atrás somente do número de assassinatos e que não incluem as ocorrências subnotificadas. Ainda de acordo com a pesquisa, foi destacado outro dado alarmante: 18 suicídios foram de pessoas transexuais. Em paralelo, no 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, apontou-se que na pesquisa de opinião “Percepções dos Profissionais da Segurança Pública” sobre os ataques às sedes dos três poderes, mais de 60% dos policiais entrevistados afirmava que o discurso político e partidário interferia no trabalho das forças de segurança pública.

Sendo assim, a insegurança e a LGBTIfobia, em seus diversos aspectos, são fontes de diversos problemas para o adoecimento mental. “Seria meio que impossível apontar todos ou os principais. Porém, os que são mais evidentes são o preconceito por si só, a exclusão social onde há uma presença marcante da não aceitação e a violação dos direitos da pessoa LGBTI+. Tudo isso ocasiona o medo e a insegurança na pessoa LGBTI+, fazendo-a reprimir quem deseja ser. O medo afeta vários campos da vida de uma pessoa e quando não se tem controle sobre tal emoção, pode ocasionar males desde uma má conduta ou postura até casos mais graves, como agressões físicas ou até a morte”, explica Ramon Lima, psicólogo e terapeuta holístico que atua na ONG Olivia, em Belém.

Foto: Reprodução/Ascom

De acordo com o manual de Referências Técnicas para Atuação de Psicólogas, Psicólogos e Psicólogues em Políticas Públicas para População LGBTQIA+, publicado este ano pelo Conselho Federal de Psicologia, refletir também sobre família, sexualidade e gênero exigem movimentos básicos de desconstrução. Neste contexto, observa-se que os padrões familiares na sociedade brasileira, pautados em modelos mais conservadores, causam situações lgbtifóbicas em casa, no trabalho e na rua.

Tal fato pode ser corroborado pelo psicólogo Ramon Lima, que atende diariamente casos no acolhimento psicológico da ONG Olivia, localizada na Universidade Federal do Pará. “Durante os atendimentos na ONG, as queixas mais evidentes são a não aceitação dos familiares quando a pessoa assume sua orientação sexual, e o desamparo, onde em alguns casos, buscam mais o acolhimento e uma aceitação do que propriamente um atendimento psicológico. Muitas das vezes é visto como se estivessem buscando uma confirmação de que fizeram a escolha certa de serem quem são, quando o próprio núcleo familiar pode ter desaprovado”, comenta o profissional.

Acolhimento psicológico – O serviço é gratuito para a população LGBTI+ e é uma das mais importantes atividades da Organização da Livre Identidade e Orientação Sexual do Pará (ONG Olivia), que há mais de 8 anos atua como um prestador de serviços sociais para a população LGBTI+ através de aconselhamentos jurídicos, testagens para ISTs, produção acadêmica, capacitações em empresas privadas e instituições públicas, além do acolhimento psicológico. Os atendimentos são realizados na sede da ONG, nos altos do Vadião, no Campus Guamá da UFPA, e para agendamento é necessário contato prévio pelas redes sociais da organização.

Foto: Reprodução/Ascom

“No contexto Amazônico, vejo que o principal agravante é a falta de espaços de acolhimento para a comunidade LGBTI+. A ONG Olivia é um espaço que oferece esse acolhimento e suporte, por exemplo. Mas diante de demandas tão grandes e uma busca grande por auxílio e serviços que ajudem nesse processo. Alguns locais oferecem ajuda também, mas mesmo assim, há um desafio muito grande para a pessoa LGBTI+ que é ter que enfrentar o preconceito, pois sempre ficará o questionamento se será ou não bem acolhido”, afirma Ramon.

“Atuar na defesa dos direitos da população LGBTI+ por si só já é um grande desafio. Quando trazemos junto a isso, a saúde mental, esse desafio se torna ainda maior. Há alguns anos compreendemos a necessidade de atuar nesse sentido, devido aos vários relatos que ouvimos de pessoas com problemas psicológicos devido ao preconceito. A partir daí, começamos a procurar profissionais que estivessem dispostos a atuar conosco e felizmente até hoje temos uma equipe multiprofissional que atua com muito profissionalismo e, principalmente, respeito”, afirma Marcos Melo, presidente da ONG Olivia.

Buscar ajuda é primordial – Embora a realidade para a população LGBTI+ seja dura, é crucial priorizar a saúde mental. Ficar atento aos sinais de adoecimento psicológico, como tristeza profunda, distúrbios do sono, mudanças de comportamento, pensamentos negativos, dores físicas, irritabilidade, choro frequente, além de outros sintomas, é o primeiro passo no autocuidado. O Centro de Valorização da Vida (CVV) atende diariamente, por 24 horas, via chat, telefone ou e-mail, aquelas pessoas que precisam conversar e receber apoio emocional. UPAs, Pronto Socorros, Hospitais, CAPS e Unidades Básicas de Saúde também são locais que podem dar suporte a quem necessita.

Segundo Marcos, um dos principais diferenciais do serviço prestado pela ONG é o fato da equipe ser composta exclusivamente por profissionais LGBTI+, “o que possibilita que a pessoa se reconheça ali. Muitas vezes pessoas LGBTI+ sofrem preconceito até mesmo dentro dos consultórios, por profissionais da saúde. Isso foi também um ponto que nos incentivou a criar o serviço e, para além disso, tem nos inquietado para estabelecer parcerias no sentido de formar profissionais que respeitem a orientação sexual e a identidade de gênero das pessoas. O projeto não se encerra no atendimento. Queremos criar uma rede fortalecida de profissionais que defendam nossa existência e que possam também ser profissionais livres para assumirem sua própria sexualidade”, acrescenta Marcos.

“Reconhecer que precisa de ajuda e procurar terapia é de extrema relevância. Evidencio aqui também a importância de ter uma boa rede de apoio, que seja livre de julgamentos e ofereça amparo, segurança e aceitação. Pode ser um grupo de amigos, familiares, etc. Meu conselho para quem possa estar passando por situações assim é não desistir e acreditar que pode melhorar. Jamais se enxergar estar sozinho ou que precise fazer tudo sozinho. E para pessoas que conhecem ou convivem com pessoas assim, ofereça uma escuta livre, ouça quem está em sofrimento sem ideias pré-concebidas e que se disponibilize a procurar ajuda. Um simples ato de generosidade e solidariedade pode salvar uma vida”, conclui Ramon.

*Com informações da Assessoria de Imprensa

Milena Alves

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