Com a chegada da pandemia, os setores de saúde público e privado passaram por muitos impactos e transformações. Para falar sobre esse cenário, a Front Saúde conversou com o médico Francisco Balestrin, atual Presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo ( SINDHOSP) e Presidente do Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde (CBEXs). Nessa entrevista, Balestrin faz uma importante avaliação do contexto econômico-financeiro das instituições de saúde.
FS: Com as mudanças e transformações da saúde por conta da pandemia, quais as suas principais considerações com relação à gestão dos Hospitais Públicos e Privados? O que mudou?
F.B: Por conta da pandemia, de fato, elas criaram vários aspectos no chamado relacionamento público-privado. Eu diria que mostrou claramente a interdependência entre os setores, mostrou a capacidade dos setores, de alguma forma, trabalhar de uma maneira conjunta e mais do que isso, buscarem assim, resultados positivos para aquilo que é, de fato, a grande missão do setor de saúde: atender seus clientes, seus pacientes e buscar as melhores alternativas, sejam elas as tentativas de acesso, alternativas de tratamento, mas principalmente a capacidade do setor público e privado de atuarem juntos o sentido de desenvolver recursos humanos, pesquisas técnicas, trocas de relacionamento principalmente na formação de pessoas e, consequentemente assim melhorar todos os aspectos que buscam. Nós não podemos esquecer a maneira de criar condições de qualidade e percepção para todas as pessoas.
FS: Como você avalia o cenário econômico-financeiro das instituições de Saúde a partir do aumento dos preços dos insumos, energia elétrica, além da incorporação do piso dos profissionais da enfermagem? Visto a importância e reconhecimento dessa classe. Explique um pouco sobre quais as estratégias de contingência que as instituições de saúde poderiam adotar para encarar essa nova realidade de custos?
F.B: Existem várias questões que, de alguma forma, se apresentaram para o setor de saúde seja ele público ou privado. O setor privado sofreu bastante, principalmente nos momentos em que pouco se conhecia a respeito da pandemia, e os processos através dos quais nós íamos buscar atendimento, onde tivemos os nossos hospitais vazios por conta de uma percepção de que eventualmente a pandemia ia ocupar a maior parte dos leitos, e isso, de fato aconteceu, então, os procedimentos que eram mais mais eletivos deixaram de acontecer.
De um modo geral, o setor negligenciou o atendimento daqueles pacientes mais complexos e daqueles pacientes que necessitavam de cuidados, o que vamos chamar de tempo-dependentes. Isso fez com que nós tivéssemos um momento Inicial onde os hospitais privados tiveram grandes perdas econômicas-financeiras, que não foram compensados pelo atendimento dos pacientes de covid.
Os hospitais se dedicaram muito ao atendimento da covid, e aí, eu incluo os públicos ou privados. Neste momento, a gente percebe que apesar de todas essas grandes ações que os hospitais tanto públicos quanto privados tiveram, nós sentimos ainda no horizonte muitas ameaças ao setor. Nós temos ameaças tributárias, principalmente que ocorre em relação ao setor privado. A cada instante, o governo busca através de alternativas aumentar as suas receitas, os impostos dos hospitais, o custo dos medicamentos, os impostos dos profissionais que trabalham no setor de saúde e, claro, todas essas questões, de alguma forma, coloca uma grande nuvem negra no horizonte das instituições. Por outro lado, o setor público vem minguar os seus orçamentos sem grandes alterações para o atendimento dos pacientes que não são de covid, e isso é uma grande ameaça ao setor tanto público quanto privado.
Falando da discussão a respeito do novo teto de atendimento, a gente percebe que existe de um lado todo uma percepção que tudo que o grupo de enfermagem, seja ele os enfermeiros, os técnicos e todos aqueles que, de alguma uma forma atuam no setor de enfermagem, eles foram verdadeiros esteios no atendimento dos pacientes com covid e, de um modo geral, são os grandes sustentáculos no atendimento nas instituições, porém, de uma forma quase que responsável que esses aumentos salariais eles estão sendo previstos dentro desta nova legislação, porque no fundo nós teremos um aumento de alguns bilhões de reais. Fala-se em algo em torno de 8 bilhões de reais no setor público, 6 milhões de reais do setor privado com fins lucrativos e 6 milhões de reais no setor sem fins lucrativos, ou seja, as Santas Casas. Isso vai criar junto com todos os aspectos que nós já colocamos anteriormente de aumentos de custos, de um modo geral, vai criar uma quase que uma solução de continuidade para que as instituições possam atuar no setor público, mas infelizmente, nós vamos ter uma grande ameaça, principalmente para os municípios para a manutenção dos chamados PSF (Programa Saúde da Família), porque os prefeitos, gestores públicos e os estados não podem deixar com que o setor aumente os seus custos e quebre além da responsabilidade fiscal que os gestores não podem aumentar em muito acima de 60% os seus gastos, e isso inevitavelmente vai acontecer.
Nós temos nesse instante, grandes questões que além de tudo aquilo que foi colocado, são são ameaças para o setor, e nós precisamos buscar alternativas próprias. De um lado, o público buscando uma discussão grande em relação ao aumento das receitas dos seus orçamentos, e por outro, a contenção de custos, de seus desperdícios, e isso também acontece no setor privado porque há um limite para o repasse desses custos e hoje, nem empresas, nem as famílias e os cidadãos conseguem, de alguma forma, sustentar esse custo que, logo à frente, pode vir ao setor de saúde.
FS: Quando se fala em tendências, os planos de saúde que ofertam a maior parte dos seus serviços de forma online vieram para ficar no mercado?
F.B: Existe, na minha percepção, um desenho muito favorável à prestação de serviços on-line. A transformação digital tem um dom de aumentar o acesso com qualidade das pessoas ao serviço de saúde, de aumentar os seus contatos, de facilitar o desenvolvimento de novas perspectivas, de fazer com que cada vez mais pessoas possam ser atendidas de maneira mais confortável, sem precisar de grandes deslocamentos, e muitas vezes, de uma maneira quase que imediata. Se essa será uma grande tendência para os planos de saúde on-line eu ainda não sei dizer, mas eu sei que todas operadoras de plano de saúde deverão incorporar procedimentos via on-line, aumentar os seus processos de relacionamento através de modelos digitais e de relacionamento, e isso me parece algo muito bem-vindo e algo muito positivo para o desenvolvimento das operadoras de plano de saúde no nosso país porque elas vão, de alguma forma, chegar mais próximo dos seus clientes e oferecer serviços de uma maneira mais adequada. Diria, também, que essa é uma perspectiva futura e positiva para o setor público que deverá também aprender com setor privado, e essa é mais uma troca que eu acho importante entre os setores, sobre como nós vamos incorporar, como sociedade brasileira e as autoridades sanitárias públicas vão incorporar os atendimentos de telemedicina e telessaúde no setor público também.
FS: Na sua perspectiva, vem superávit para as instituições de saúde em 2022?
F.B: A respeito do superávit, é uma pergunta difícil de responder porque o Brasil tem algo em torno de 6.000 hospitais sendo deles, 4.000 hospitais privados, sejam eles privados com fins lucrativos e privados sem fins lucrativos, e um outro tanto de laboratórios, clínicas que atendem o setor privado. Não poderia dizer que todos eles vão se comportar de uma maneira uniforme em relação aos custos, e consequentemente, os resultados que eles possam vir a incorporar no ano de 2022. Nós temos muitos aspectos e muitos desafios para esse ano, e é claro que, sim, os pacientes vão retornar, principalmente aqueles pacientes de casos que deveriam ter sido atendidos. Então, hoje a gente já vê uma pletora muito grande desses casos retornando até porque precisam ser atendidos, mas eu não diria que isso seria um aspecto que indicasse um superávit para as instituições de saúde prestadoras no ano de 2022, e com certeza, eu vejo isso como uma ameaça para as operadoras de planos de saúde que, muitas vezes, são sustentáculos econômico-financeiros dessas instituições privadas e prestação de serviços.
Vai ser um ano muito desafiador, e é difícil generalizarmos, mas acho que será um ano com muitas dificuldades porque nós, de alguma forma, temos ameaças pelo setor tributário ameaças em relação aos nossos custos, ameaças em relação ao desperdício que ainda vai continuar, e consequentemente, a instituições vão ter que se esforçar cada vez mais para conseguir primeiro se equilibrar para depois buscar superávit.
FS: Como você acha que a portaria do Ministério da Saúde decretada em 08 de dezembro sobre as novas medidas para entrada no país pode afetar o Brasil no atual contexto pandêmico?
F.B: A Portaria Interministerial Nº611 era aquela que não exigia o passaporte de vacina, mas condicionava aquelas pessoas que, eventualmente, quisessem estar no nosso país a uma quarentena de cinco dias. Era uma portaria muito caótica do ponto de vista de como nós devemos organizar esse atendimento. Eu já havia pronunciado em outros momentos dizendo que isso seria a ratificação de que o Brasil seria uma colônia de férias de pacientes não vacinados do mundo e seria também uma ilha de negativismo nossa em relação ao mundo. Eu vejo com muito pesar que existe esse descontrole e desalinhamento entre as nossas autoridades públicas: governo federal, governo estadual e as prefeituras. Isso é muito ruim para um país como o nosso e é muito desalentador nós termos uma situação como essa.
Sempre se queixa ou se diz que o judiciário, de alguma forma, interfere no dia a dia, na vida dos cidadãos e nas decisões que são tomadas, mas ele o faz principalmente quando a sociedade é ameaçada, e no caso específico, o nosso país estava ameaçado porque iríamos receber pessoas não vacinadas que viriam para cá para fazer turismo, e isso não adiantaria de modo nenhum, pois, não é isso que traz receita para o nosso país, pelo contrário, encontrar pessoas que não fossem vacinadas continuaram suscetíveis, poderiam adoecer e uma vez dentro do país poderiam ser vetores de transferência desse vírus para pessoas vacinadas ou para brasileiros que ainda não tomaram a vacina.
Eu vejo que é um fato negativo e que estamos fechando nosso ano mais uma vez, do ponto de vista sanitário, nesse desalinhamento, mas por outro lado, temos que louvar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), e eu espero que ela seja mantida, obrigando o país a ter um procedimento semelhante a todas as nações civilizadas do mundo, porque nada como estar junto com aqueles que são civilizados, nada como estar junto com aquele que, de alguma forma, são líderes do primeiro mundo e nós temos o nosso papel de liderança que não pode ser perdido também na política sanitária mundial.
Foto: Leandro Godoi
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