Linha de Frente

Entenda o caso dos transplantes de órgãos e HIV no Rio

Pacientes que receberam transplantes de órgãos por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) no Rio de Janeiro foram diagnosticados com HIV, após a infecção ter sido transmitida por órgãos contaminados.

Este incidente, considerado “sem precedentes e inadmissível”, foi confirmado pela Secretaria de Estado de Saúde (SES) e pelo Ministério da Saúde, que já iniciaram investigações para apurar responsabilidades.

A contaminação afetou seis receptores e dois doadores de órgãos, e foi atribuída a falhas nos exames realizados pelo laboratório privado PCS Lab, contratado para garantir a segurança no programa de transplantes do estado.

COMO OCORREU A CONTAMINAÇÃO?

Segundo a SES, o laboratório PCS não detectou a presença do vírus HIV nos órgãos doados, permitindo que fossem liberados para transplante.

O Ministério da Saúde informou que foram utilizados kits de diagnóstico aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas investigações indicam negligência na validação dos reagentes utilizados, resultando em falsos negativos.

Como consequência, os pacientes, que acreditavam estar recebendo órgãos seguros, contraíram o vírus.

O laboratório PCS foi contratado pela Fundação Saúde, vinculada à SES, e teve seus serviços suspensos imediatamente após a descoberta do erro.

As operações foram transferidas para o Hemorio, que agora realiza os exames utilizando o teste NAT, mais confiável na detecção de vírus.

INVESTIGAÇÃO E AÇÕES LEGAIS

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e a Polícia Civil iniciaram inquéritos para investigar o caso.

Na manhã de segunda-feira (14), a Polícia Civil prendeu o médico ginecologista Walter Vieira, sócio do Laboratório PCS Saleme, acusado de emitir laudos falsos que resultaram na contaminação dos pacientes com HIV.

Também foi detido Ivanilson Fernandes dos Santos, responsável técnico pelos laudos. Dois técnicos estão foragidos: Cleber de Oliveira Santos e Jacqueline Iris Bacellar de Assis, técnica em patologia clínica.

A operação policial cumpriu 11 mandados de busca e apreensão e quatro mandados de prisão na cidade do Rio e em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.

Os advogados de Walter Vieira e de seu sócio Mateus Vieira repudiaram as acusações, afirmando que a empresa sempre prestou serviços com seriedade em seus mais de 50 anos de atuação.

De acordo com o delegado André Neves, o objetivo das investigações é determinar se houve fraude nos testes ou negligência no controle de qualidade dos reagentes utilizados.

Durante a prestação de serviços ao sistema estadual de saúde, o laboratório realizou 286 testes.

Um dos laudos que indicava falsamente resultado negativo para HIV trazia a assinatura de Jacqueline Assis, que alegou à imprensa que seu nome foi utilizado indevidamente no processo, afirmando que apenas conferia os resultados e não assinava os testes.

O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) também abriu sindicância, considerando a situação “gravíssima” e focando em identificar todos os envolvidos para garantir que os responsáveis sejam punidos.

O IMPACTO NO SISTEMA NACIONAL DE TRANSPLANTES

O Sistema Nacional de Transplantes (SNT) do Brasil é reconhecido internacionalmente por sua excelência e abrangência, sendo o maior programa público de transplante de órgãos do mundo.

Mais de 88% dos transplantes realizados no país são financiados pelo SUS, e a segurança desses procedimentos sempre foi prioridade.

O SNT possui normas rigorosas para proteger doadores e receptores, evitando a transmissão de doenças infecciosas.

Entretanto, este incidente colocou em xeque a confiança no sistema, especialmente em relação à fiscalização de laboratórios terceirizados.

O Ministério da Saúde reafirmou que o sistema segue protocolos de alto nível e que este foi um caso isolado, resultante de falhas específicas no laboratório PCS.

Uma auditoria urgente foi determinada para revisar o processo de contratação e atuação de laboratórios no programa de transplantes no Rio de Janeiro.

LIGAÇÕES POLÍTICAS E NOVAS DESCOBERTAS

Outro ponto que chama a atenção é o envolvimento de familiares de figuras políticas no laboratório PCS.

Um dos sócios é casado com uma parente do ex-secretário de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, Dr. Luizinho, que ocupou o cargo até setembro de 2023.

Embora o deputado tenha negado qualquer envolvimento na escolha do laboratório, sua relação com os sócios levantou questionamentos sobre possíveis favorecimentos.

Investigações apontam que o laboratório PCS tinha outros contratos com a Fundação Saúde, alguns realizados por dispensa de licitação, levantando suspeitas sobre a fiscalização dos serviços prestados ao longo dos anos.

Contratos anteriores foram firmados para exames em diversas unidades de saúde do estado, incluindo hospitais e UPAs, ampliando a gravidade do caso.

A RARIDADE DA TRANSMISSÃO DE HIV POR TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS

A transmissão de HIV por meio de transplante de órgãos é considerada extremamente rara, conforme explicou Rubens Pereira, infectologista e professor da Universidade de Franca (Unifran).

Todos os doadores, vivos ou falecidos, devem passar por uma série de exames, incluindo o teste anti-HIV.

Entretanto, em casos excepcionais, esses exames podem falhar, como ocorreu com os dois doadores envolvidos.

O risco de transmissão é especialmente elevado em situações de “janela imunológica”, período em que a exposição ao vírus não é detectada por testes laboratoriais.

Esse fator ressalta a importância de múltiplos testes para minimizar riscos de infecção.

MEDIDAS PREVENTIVAS: USO DE TESTES MAIS CONFIÁVEIS

A Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos (Adote) destaca que portadores de HIV/Aids e pessoas com infecções ativas não podem ser doadores de órgãos.

Nos casos de transmissão acidental, os receptores devem iniciar imediatamente a profilaxia pós-exposição (PEP), recomendada pelo Ministério da Saúde.

Esse tratamento de urgência envolve o uso de medicamentos antirretrovirais, distribuídos gratuitamente pelo SUS, fundamentais para aumentar a qualidade de vida dos pacientes.

Além da PEP, o uso regular de antirretrovirais é crucial para pessoas já infectadas, ajudando a evitar complicações.

Apesar da gravidade do incidente, Pereira reiterou que esses casos são extremamente raros, reforçando a importância de múltiplos testes para garantir a segurança dos transplantes.

TESTE NAT: UMA SOLUÇÃO MAIS AVANÇADA PARA EVITAR FALSOS NEGATIVOS

Fernando Atik, médico e membro da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, descreveu o caso como “isolado, raro e gravíssimo”.

Ele ressaltou que o Brasil possui rigorosos critérios de seleção para doadores, com testes obrigatórios para doenças infecciosas, incluindo HIV.

No entanto, neste caso, os exames falharam, permitindo que doadores HIV positivos fossem considerados aptos.

O teste NAT (Teste de Ácido Nucleico) oferece maior sensibilidade na detecção de HIV, reduzindo o risco de falsos negativos ao identificar o material genético do vírus, mesmo durante a janela imunológica.

Embora essa metodologia ainda não seja amplamente utilizada no Brasil, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, anunciou sua implementação para aumentar a segurança nos transplantes.

TESTAGEM E CONSCIENTIZAÇÃO COMO ELEMENTOS ESSENCIAIS NA PREVENÇÃO DO HIV

A prevenção do HIV não se limita aos cuidados em transplantes de órgãos, mas inclui a testagem regular da população.

O HIV é uma infecção sexualmente transmissível (IST) que ataca o sistema imunológico. Pessoas vivendo com o vírus podem transmiti-lo se não estiverem em tratamento.

O Ministério da Saúde recomenda a testagem para HIV sempre que houver exposição a fatores de risco, como relações sexuais desprotegidas ou compartilhamento de seringas.

No Brasil, testes são disponibilizados gratuitamente nas unidades de saúde do SUS e em Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA).

Os principais exames incluem o teste laboratorial, que envolve coleta de sangue e análise em laboratório, e o teste rápido, que fornece resultados em minutos.

Ambos são eficazes, mas a janela imunológica pode interferir nos resultados. O Ministério da Saúde recomenda a repetição do teste após 30 dias, caso o primeiro seja realizado logo após uma situação de risco.

AVANÇOS NO TRATAMENTO PARA MELHORAR A QUALIDADE DE VIDA

O tratamento antirretroviral é crucial para pessoas vivendo com HIV. O Brasil se destaca por fornecer gratuitamente os medicamentos necessários, permitindo que os portadores mantenham uma qualidade de vida estável.

Quando a carga viral é reduzida a níveis indetectáveis, o risco de transmissão é drasticamente diminuído. No entanto, a doação de sangue ou órgãos por pessoas soropositivas é absolutamente proibida.

A conscientização sobre os riscos do HIV e a importância do tratamento são essenciais não apenas para os portadores, mas para a sociedade como um todo.

A testagem regular é recomendada para todas as pessoas com idades entre 13 e 64 anos, e aqueles com maior risco devem se testar regularmente.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO DE JANEIRO

O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) recomendou à Secretaria de Saúde do Estado e à Fundação Saúde ajustes rigorosos no procedimento de análise de amostras de sangue da Central Estadual de Transplantes.

A ação visa evitar novos incidentes de infecção entre pacientes transplantados. O caso gerou a suspensão dos serviços do Laboratório de Patologia Clínica Doutor Saleme, contratado pelo governo do Rio de Janeiro por meio de licitação.

O MPRJ divulgou uma recomendação solicitando que os exames de doadores sejam realizados exclusivamente pelo Hemorio.

Em caso de incapacidade técnica ou física, o órgão exige um estudo prévio antes de terceirizar os serviços.

Caso a recomendação seja desconsiderada, o MP exige justificativa por escrito e alerta para possíveis providências administrativas e judiciais.

Além disso, a 5ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Saúde instaurou, na sexta-feira (11), um inquérito civil para investigar as irregularidades detectadas.

MINISTÉRIO DA SAÚDE

O Ministério da Saúde, diante da notificação dos graves eventos relacionados à transmissão do HIV em transplantes de órgãos no Rio de Janeiro, declarou total apoio aos pacientes afetados e suas famílias.

O Ministério ressalta que a situação está sendo tratada com extrema seriedade para garantir a segurança do sistema nacional de transplantes.

Segundo o órgão, as infecções ocorreram após testes realizados pelo laboratório privado, o PCS Saleme, contratado pela Fundação Saúde e responsável pelos exames do programa de transplantes estadual.

Até o momento, foi confirmada a infecção por HIV em dois doadores e seis receptores de órgãos.

O Ministério destacou as medidas imediatas adotadas para conter a situação, incluindo a interdição cautelar do laboratório responsável, a retomada dos testes de doadores pelo Hemorio com o uso do teste NAT e a retestagem de amostras de doadores previamente analisadas pelo laboratório envolvido.

Além disso, foi determinado o atendimento especializado aos receptores infectados e seus contatos próximos, assim como a realização de uma auditoria emergencial pelo Denasus no sistema de transplantes estadual.

O Ministério da Saúde também reforçou a segurança do Sistema Nacional de Transplantes (SNT), destacando que o Brasil possui um dos sistemas mais transparentes e seguros do mundo, com normas rigorosas para proteger tanto doadores quanto receptores.

A situação está sendo acompanhada de perto para que novos protocolos possam ser implementados, garantindo a preservação da confiança da população no sistema de transplantes.

Por último, anunciou uma auditoria através do Denasus (Departamento Nacional de Auditoria do SUS) para analisar o sistema de transplantes no estado e revisar a contratação do laboratório envolvido.

AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que está coordenando, junto às Vigilâncias Sanitárias estadual e municipal, ações para investigar o caso de contaminação por HIV em transplantes de órgãos no Rio de Janeiro.

A principal medida adotada foi o monitoramento dos receptores dos órgãos transplantados e a determinação de novos exames pré-transplante, agora realizados pelo Hemorio.

Como parte das medidas preventivas, o laboratório PCS Saleme foi interditado pela Vigilância Sanitária local, sob orientação técnica da Anvisa, até a conclusão das investigações.

A Anvisa, em conjunto com autoridades de saúde estaduais e municipais, está trabalhando para esclarecer o ocorrido e garantir a segurança dos transplantes no estado.

O órgão reforçou que todas as fases dos transplantes devem cumprir rigorosamente os requisitos técnicos, visando a proteção dos pacientes.

A Anvisa declarou que continuará acompanhando as investigações e tomando as ações necessárias para garantir a segurança dos processos relacionados à doação de órgãos no Brasil.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

O Conselho Federal de Medicina (CFM) manifestou sua preocupação com o caso e pediu máxima transparência e agilidade nas investigações sobre a contaminação de seis pacientes por HIV, após receberem órgãos transplantados no Rio de Janeiro.

A autarquia exigiu a responsabilização dos envolvidos, sejam eles indivíduos, empresas ou órgãos públicos, pelos danos causados.

Em seu comunicado, o CFM destacou a importância de uma fiscalização rigorosa dos laboratórios de análises clínicas, principalmente daqueles que prestam serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS), para assegurar que todos os critérios e protocolos necessários sejam devidamente seguidos.

Além disso, o Conselho cobrou do Ministério da Saúde respostas imediatas para que a credibilidade do sistema nacional de transplantes não seja comprometida.

OBS.: As informações foram coletadas com alguns dos principais meios de comunicação e órgãos públicos do país, links abaixo

Fontes: Agência Brasil 01 02 03 04 05 06, Agência Gov, Anvisa, CFM, CNN 01 02 03, Folha de São Paulo 01 02 03 04 05 06 e Estadão

Romeu Lima

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