Ferramenta será estudada em unidades básicas de saúde do SUS no Amazonas; objetivo é avaliar se IA poderá ajudar médicos de áreas mais vulneráveis a melhorar atendimento a gestantes
O Hospital Israelita Albert Einstein está desenvolvendo uma ferramenta de inteligência artificial (IA) no estilo do ChatGPT que poderá auxiliar médicos durante atendimentos a gestantes, em especial em regiões mais vulneráveis. A tecnologia será capaz de “escutar” e transcrever as informações fornecidas pelas pacientes durante as consultas e, a partir delas, sugerir ao profissional perguntas que devem ser feitas e condutas a serem adotadas.
O projeto foi um dos selecionados para receber financiamento de U$ 100 mil (R$ 494 mil) da Fundação Bill e Melinda Gates por meio de um edital para fomentar o
O sistema será inicialmente testado em um grupo de 60 a 100 pacientes de unidades básicas de saúde do SUS de três municípios do Amazonas que fizeram convênio com o Einstein para receber a pesquisa. Além de passar pelas consultas regulares de pré-natal, as gestantes terão um atendimento extra com um médico do Einstein por telemedicina para que a ferramenta de inteligência artificial seja testada.
“O estudo é uma prova de conceito para verificar se a ferramenta é útil e segura de ser utilizada na saúde. Sabemos que essas ferramentas podem ajudar, mas também podem ‘alucinar’ (fornecer informações erradas), por isso precisamos testá-la sob a supervisão de um profissional experiente”, explica Livia Oliveira-Ciabati, coordenadora de Inovação do Einstein.
Por outro lado, se a ferramenta tiver um bom desempenho, ela poderia melhorar a assistência prestada durante o pré-natal e reduzir o índice de mortalidade materna no País, que vem crescendo desde 2019.
“Sabemos que, em regiões mais carentes de profissionais, os médicos muitas vezes têm uma necessidade de maior produtividade e há uma série de cuidados que deveriam ocorrer no pré-natal, como exames para infecções sexualmente transmissíveis, que nem sempre são feitos”, diz Livia. “A ideia é que a ferramenta ofereça alguns lembretes e sugestões de aprofundamento de anamnese ao profissional”, completa a pesquisadora.
No estudo, os cientistas do Einstein testarão tanto modelos de IA generativa já existentes no mercado, como o da própria OpenAI, criadora do ChatGPT, quanto adaptações desses modelos que serão “treinados” com um conjunto de informações científicas em um processo chamado no campo da computação de fine tuning (ajuste fino). Nesse processo, o sistema será “alimentado” com cerca de 2 mil artigos científicos e outras publicações técnicas sobre saúde da mulher e gestante na tentativa de que as respostas dadas pela ferramenta sejam mais precisas e embasadas por evidências científicas.
“Essa curadoria de artigos foi feita por profissionais da equipe de saúde materno-infantil do Einstein. Entendemos que esse tipo de tecnologia pode beneficiar a população em larga escala, mas não dá para sair usando uma tecnologia como essa sem ela ser testada e validada cientificamente. Por isso é importante que instituições de saúde estejam envolvidas nessas pesquisas”, diz Rodrigo Demarch, diretor executivo de Inovação do Einstein.
Serão testados seis modelos de inteligência artificial: três genéricos (além do da OpenAI, será utilizados os produtos Bard e Falcon) e esses mesmos três “retreinados” com os conteúdos científicos.
Demarch afirma que a escolha por realizar o estudo piloto no Amazonas deve-se ao fato de o Norte do País ser a região com a menor proporção de médicos por habitante. O estudo está previsto para começar entre o final de setembro e início de outubro e vai durar três meses.
Após essa primeira fase, de prova de conceito, os pesquisadores definirão quais dos modelos testados tiveram melhor desempenho e, então, deverão estudá-lo em um estudo clínico maior, em que os resultados dos atendimentos feitos com auxílio do sistema serão comparados com os tradicionais.
“A IA não vai substituir os profissionais da saúde, mas os profissionais que souberem utilizá-la terão um diferencial, ser mais precisos e entregar uma melhor experiência para o paciente e, em uma situação de escassez de profissionais, isso poderia melhorar a qualidade do atendimento”, afirma o diretor.
Demarch afirma que, caso a ferramenta tenha resultados positivos nos estudos, poderá ser disponibilizada para diferentes Estados e países, já que o software terá código aberto (poderá ser usado, modificado e distribuído gratuitamente) e sua adaptação para outras línguas seria relativamente fácil justamente pela capacidade desses modelos de inteligência artificial de trabalhar em diferentes idiomas.
Texto de Fabiana Campricoli para o Estadão
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