A medicina pode acolher as novas tecnologias que surgem, mas, às vezes, o paciente não está disposto a aceitar o seu uso. A partir do momento em que a Saúde Suplementar, o judiciário e os beneficiários de Planos de Saúde debatem sobre rol taxativo, coberturas obrigatórias e requisitos tecnológicos, o procedimento RAS (Cirurgia Assistida por Robô) passar a ter anda mais força, avança no Brasil e consegue ter pacientes dispostos a aceitar e a confiar neste tipo de técnica.
Um ensaio clínico inédito feito por cientistas da University College London e University of Sheffield (“Effect of Robot-Assisted Radical Cystectomy With Intracorporeal Urinary Diversion vs Open Radical Cystectomy on 90-Day Morbidity and Mortality Among Patients With Bladder Cancer”) está mexendo com essa confiança, empoderando médicos e pacientes no uso da cirurgia assistida por robô.
O estudo se volta para a remoção do câncer de bexiga, e conclui que pacientes sujeitos a passar por uma RAS tem a recuperação muito mais rápida, além ter menos tempo de internação (20% a menos).
Publicado em maio de 2022 no JAMA e financiado pela The Urology Foundation, o estudo revelou que a cirurgia robótica reduz a chance de readmissão pela metade (52%), e, “surpreendentemente” (termo utilizado pelo estudo), reduz em quatro vezes (77%) a prevalência de coágulos sanguíneos como, por exemplo, tromboses e embolias, consideradas uma das causas do aumento da morbidade pós-cirurgia.
A pesquisa é considerada um importante marco para a área, pois compara os procedimentos cirúrgicos àqueles que são feitos por cirurgias abertas. Assim como também mostra que a qualidade de vida dos pacientes também melhora, com sua atividade física aumentando em menor espaço de tempo (o estudo verificou a vida pós-operatória de centenas de pacientes por meio de wearables).
“Fui diagnosticada com câncer de bexiga. Após um processo quimioterápico, o médico me sugeriu a remoção da bexiga. Para essa remoção, passei por uma cirurgia robótica. A operação foi um sucesso e eu estava de pé e andando logo após a cirurgia. Tendo feito a operação em abril, voltei ao trabalho e à academia em meados de junho. Passei a levar uma vida ativa normal”, explicou Frances C. Essendon, de Hertfordshire (UK). Já o aposentado John Hammond, de 75 anos (Doncaster, UK), testemunhou: “Descobri que tinha um tumor na bexiga e tomei a decisão junto com meu médico de removê-la e utilizar um estoma, sendo a operação assistida por tecnologia robótica, com meu cirurgião operando a partir de um computador localizado no Centro Cirúrgico há alguns metros de mim. Uma tela com visão 3D o ajudava a direcionar os movimentos precisos dos braços robóticos. Praticamente o médico não encostou em mim”, explicou Hammond (talvez com algum exagero).
Os pesquisadores verificaram o estado de 338 pacientes com câncer de bexiga que não tiveram metástase. A metade desses pacientes passou por um procedimento considerado minimamente invasivo assistido por robô (remoção da bexiga), enquanto os outros 169 pacientes receberam a mesma cirurgia, mas de maneira aberta e sem a ajuda da robótica.
O primeiro grupo ficou, em média, 8 dias no hospital se recuperando. Enquanto o grupo de cirurgia aberta ficou 10 dias. As readmissões hospitalares nos 90 dias seguintes à intervenção também foram avaliadas: 21% dos pacientes do primeiro grupo tiveram que retornar, contra 32% do segundo grupo. “Essa é uma descoberta muito importante”, diz o professor James Catto, professor de cirurgia urológica do Departamento de Oncologia Universidade de Sheffield. “O tempo de internação reduzido e a recuperação mais rápida terá impacto direto na disponibilidade de leitos hospitalares”, explicou ele. Trata-se, portanto, de um balizamento significativo e sem precedentes na avaliação da RAS.
“Apesar da crescente prevalência de cirurgia assistida pela robótica, nenhuma avaliação clínica significativa havia sido realizada para identificar claramente o benefício para a recuperação do paciente”, explicou o professor John Kelly, do Uro-Oncology da UCL’s e cirurgião da University College London, um dos autores do estudo. “Nesse trabalho, queríamos estabelecer se a cirurgia assistida por robótica, em comparação com a cirurgia aberta, reduz o tempo de permanência no hospital, diminui as readmissões e leva a melhores níveis de condicionamento físico e qualidade de vida. Em todos os casos, isso foi mostrado”.
Entretanto, a descoberta considerada mais surpreendente tenha sido a “impressionante” redução dos coágulos sanguíneos em pacientes que passaram por cirurgia robótica, com os pacientes tendo menos complicações, além de um retorno mais rápido à vida normal. Dessa forma, o tempo de internação reduzido diminui as pressões ocupacionais de leito no Sistema de Saúde, como já ocorre no NHS. Ensaio feitos anteriores se concentravam nos níveis de recuperação de longo prazo, e não eram observadas as diferenças nos dias e semanas imediatamente após a cirurgia.
O NHS depositou suas esperanças na cirurgia robótica para lidar com os atrasos pós-pandemia, quando mais de 6 milhões de pacientes esperam por procedimentos não urgentes. O NHS Highland, na Escócia, conseguiu reduzir pela metade o tempo de internação hospitalar adotando robôs cirúrgicos.
O conselho de saúde da região teve o primeiro sistema robótico DaVinci XI em agosto de 2021 (para unidade colorretal) e a partir daí, disponibilizou o sistema para cobrir as especialidades de ginecologia e urologia (já realizando mais de 100 RASs). O tempo médio de permanecer no hospital foi reduzido pela metade – quatro dias com RAS em comparação a oito com cirurgia convencional. Além disso, menos pacientes necessitam de cuidados intensivos após a cirurgia, com admissões em unidades de alta dependência que caiu de 70% para menos de 10%.
O ensaio da University College London deverá ser um marco para melhorar a aceitação da RAS. Jelle Ruurda, cirurgiã gastrointestinal do Centro Médico Universitário de Utrecht, na Holanda, faz comparação com a adesão a cirurgia robótica em relação a aceitação dos scanners de tomografia computadorizada (CT Scan) e ressonância magnética (MRI). “Há vinte anos, havia um tomógrafo em cada hospital da Europa, e nos EUA havia hospitais que já tinham 10. Agora, todo hospital que se preze tem pelo menos 10 scanners de CAT e alguns scanners de MRI. Acontecerá o mesmo com a robótica cirúrgica”.
Anterior ao estudo do College London, outro trabalho intitulado “Do People Trust in Robot-Assisted Surgery? Evidence from Europe”, publicado em 2021, constatou que “a confiança é uma variável importante na tomada de decisões relacionadas à saúde, especialmente quando envolve risco e incerteza”. Os autores fizeram uma pesquisa sobre como indivíduos na União Europeia se sentem confortáveis “em ter uma operação médica realizada por um robô imerso em inteligência artificial”. O estudo fez perguntas a 27.901 cidadãos, com idade entre 15 anos ou mais, nos 28 países da Comunidade Europeia, considerando fatores e barreiras como ambientes socioeconômicos, sociodemográficos e indicadores psicográficos.
Os autores afirmam que a uso robótica na medicina é considerável, sendo sua precisão, capacidade de programação e potencial de redução do erro humano ajuda os pacientes a se recuperarem ainda mais rápido. A pesquisa também ressalta que “a implementação efetiva de robôs deve levar em consideração os fatores que influenciam a confiança do público em geral”.
A pesquisa mostrou um amplo conjunto de dúvidas sobre a realização da RAS por causa da falta de confiança, fornecendo evidências novas para aumentar o debate sobre a aceitação da robótica cirúrgica na Europa. Para os pesquisadores, dois motivos impactam a confiança na RAS: (1) experiência anterior no uso de robôs e a (2) facilidade percebida com a sua utilização. Eles afirmam que “as motivações para a desconfiança (percepção sobre robôs) só decrescem com a experiência de seu uso, que, por sua vez, deve ser explicada, considerada e informada plenamente ao paciente pelo médico. Em outras palavras: são os pacientes que devem decidir o uso ou não da RAS, cabendo tão somente a eles a decisão final e não unicamente ao médico. Uma identificação do estudo: a confiança em robôs para intervenções cirúrgicas foi maior em pessoas entre 40 e 54 anos e com níveis educacionais mais altos.
Uma avaliação importante a ser falada é que os procedimentos assistidos por robótica podem reduzir bastante o consumo de opioides. Quanto menos invasivos, menos dor o paciente vai ter na recuperação e menos medicação ele terá. “A diminuição da dor significa uma diminuição da prescrição de narcóticos”, diz a Dra. Bethany Malone, cirurgiã de cólon e reto no Texas, especializada em cirurgia robótica. “Para procedimentos como reparo de uma hérnia inguinal, costumo enviar pacientes para casa com medicamentos de venda livre, como tylenol ou ibuprofeno”, explica Malone. “Após a RAS, os pacientes geralmente vão para casa no primeiro ou segundo dia após a cirurgia. Com a cirurgia aberta, eles geralmente ficam de 5 a 7 dias no hospital, sem falar que com RAS as cicatrizes são mínimas”, observou Malone.
Os EUA é o país que mais utiliza cirurgia robótica, com mais de 15% de suas intervenções utilizando. Nos países ocidentais, o percentual cai para 2%, segundo estimativas da gigante de tecnologia médica Medtronic (na Espanha, por exemplo, existem 24 sistemas de cirurgia robótica).
Até 2021, a estimativa era de que o Brasil possuía mais de 100 estações de robótica cirúrgica assistida, já tendo sido realizadas mais de 25 mil RASs no país. Em março de 2022, o Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou a resolução n° 2.311/2022, que libera o tratamento cirúrgico com uso de plataforma robótica, explicando todos os critérios para a realização de procedimentos como este.
A expansão tende a aumentar pelos próximos anos, principalmente com estudos que comprovem ainda mais a segurança do procedimentos, a redução de custeio e o tempo de recuperação. No geral, os planos de saúde no Brasil não preveem a cobertura para RAS, alegando que o tratamento faz parte rol de procedimentos da ANS (Agência Nacional de Saúde). Porém, muitas entidades jurídicas consideram que quando houver indicação médica a sua recusa seria abusiva. Alguns tribunais entendem que deve ser deferido o pedido de RAS se houver indicação médica.
A polêmica é longa, mas existe um fator na saúde que pode trazer mudanças, sendo conhecido nos EUA como “customer value” (valor para o cliente): “aquilo que o consumidor percebe como valor, reconhece como vantagem crítica para sua vida e reivindica sua adoção pela cadeia de saúde, tende a ser implantado por ela ao longo do tempo”. No Brasil não será diferente.
Você passaria a adquirir um Plano de Saúde que não contasse com serviços de Telemedicina? Ou que os exames de imagiologia fossem realizados somente em caso de internação? Ou que o plano não alcançasse procedimentos laparoscópicos? É provável que não. Não é presunção, mas sim, uma constatação: a cirurgia robótica assistida vai crescer nos sistemas de saúde, mas principalmente vai amadurecer a confiança coletiva das pessoas.
Dessa maneira, determinadas tecnologias vão receber maior ou menor aceitação nas horas críticas, sendo que muitas delas passarão a ser vinculantes para o paciente. Não está longe a hora em que o paciente vai escolher a seguradora, o hospital e até o cirurgião em função da sua adoção a robótica cirúrgica. Immanuel Kant explicou isso no Século XVIII: “A inteligência individual só pode ser medida pela quantidade de incertezas que é capaz de suportar”.
Fonte: Saúde Business
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