Pesquisadores da University of Texas Health Science Center at San Antonio, uma universidade nos Estados Unidos, descobriram que os níveis de adenina na urina, um metabólito que surge no rim, é um biomarcador que acusa, com até 10 anos de antecedência, o surgimento da insuficiência renal progressiva em pessoas com diabetes. Segundo o estudo, divulgado, nesta quinta-feira (24/08), na revista Journal of Clinical Investigation, a novidade poderá direcionar ações médicas mais assertivas, promovendo diagnósticos e intervenções em estágios iniciais da doença.
A vantagem de ter acesso a essas informações precoces é a possibilidade de reduzir a ocorrência de quadros mais críticos, como a instalação de uma insuficiência renal e a obrigatoriedade de diálises, segundo os autores. Atualmente, o biomarcador mais importante para a doença renal é a presença da proteína albumina na urina. No entanto, cerca de metade das pessoas com diabetes e insuficiência renal nunca apresenta alta quantidade dessa substância, o que dificulta um diagnóstico precoce eficaz.
“Antevemos que esse achado conduzirá a novos testes e tratamento”, aposta Kumar Sharma, professor e chefe da área de nefrologia da universidade americana e autor sênior do trabalho. Wallace Padilha, nefrologista do Hospital DF Star, em Brasília, considera que a pesquisa, de fato, pode trazer luz à medicina. “Se realmente conseguirmos fazer isso, com um exame de urina, será possível detectar o perfil do paciente que evolui pior e, assim, tratá-lo de forma mais intensiva ou acompanhar mais de perto, evitando que seja necessário fazer diálise”, afirma.
O estudo envolveu a análise de mais de 1.200 pessoas diagnosticadas com diabetes, abrangendo distintos grupos de indivíduos. Foram englobados participantes afro-americanos, hispânicos, caucasianos e asiáticos. Além disso, uma investigação separada foi conduzida junto à população indígena dos Estados Unidos. “Em cada estudo, encontramos o mesmo padrão, mostrando que níveis elevados de adenina na urina estavam associados a maior risco de insuficiência renal”, relata, em nota, Sharma.
Ainda conforme o cientista, os metabólitos, que são moléculas de pequeno porte geradas pelo corpo, desempenham um papel crucial no funcionamento saudável das células e também revelam padrões ligados a patologias. Para investigar a ação dessa substância nos rins, a equipe de cientistas aprimorou um método pouco difundido, conhecido como aplicação da metabolômica espacial, em biópsias renais de humanos. Por meio dessa técnica, pôde-se mapear, com precisão, a distribuição da adenina e de outras moléculas de menor porte nos tecidos do órgão.
Ao analisar as informações obtidas, a equipe identificou a presença de adenina próximo a vasos sanguíneos cicatrizados nos rins e ao redor de algumas células do órgão que estava sofrendo deterioração. Essas informações são um preditivo para a falência renal em pacientes com diabetes. “O risco de morte causado por essa condição é muito elevado, especialmente nesses pacientes. A mortalidade chega a 40% em cinco anos naqueles com as duas condições”, explica o autor principal do estudo.
Elber Rocha, nefrologista e coordenador do Programa de Transplantes do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, pontua que, apesar dos resultados promissores, serão necessários outros trabalhos para comprovar que a adenina pode ser usada no diagnóstico precoce de complicações renais. “Esses estudos que investigam a excreção urinária de adenina ainda são preliminares. O marcador mais empregado hoje é a avaliação da relação albumina-creatinina. Então, a perda de albumina é o marcador clínico mais precoce que temos”, explica.
Tratamento
Os pesquisadores também identificaram uma pequena molécula que bloqueia a principal via de produção de adenina no corpo, abrindo a possibilidade de futuros tratamentos. Testada em camundongos com diabetes tipo 2, a molécula diminuiu os níveis do biomarcador nos rins dos animais.
Conforme Sharma, o remédio apresentou benefícios notáveis na redução de todos os aspectos da lesão renal diabética. “Esse é o primeiro estudo a demonstrar que bloquear uma via metabólica específica, relacionada à fibrose renal, poderia tratar a doença nos rins sem afetar os níveis de glicose no sangue. Não há outros medicamentos existentes que tenham um efeito semelhante, pelo que sabemos”, diz.
Na avaliação de Padilha, ainda não é possível saber se a molécula poderá ser usada em humanos e terá o mesmo desempenho. “Usada em ratos, ela reduziu a produção de adenina, só que isso não se associou a uma melhora dos níveis de creatinina nem a uma diminuição da quantidade de proteína na urina dos ratos. Então, ainda não é possível dizer se ela é uma potencial candidata à medicação para humanos. Novos estudos serão necessários para podermos concluir algo sobre isso.”
Os cientistas descobriram ainda que um medicamento já disponível no mercado, a empagliflozina, também reduz a adenina em pacientes com o problema de saúde, agindo de maneira diferente à molécula testada em ratos. “Essa característica recém-encontrada poderia fazer parte da gama de efeitos benéficos”, cogita Sharma. No momento, a equipe desenvolve novos tratamentos para bloquear a produção de adenina e avançará para testes clínicos caso essas terapêuticas se mostrem seguras e eficazes.
Fonte: Correio Braziliense
Foto: Mike Cohea/Brown University)
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