Cientistas do Brasil inovaram ao criar um hidrogel acessível, com propriedades anti-inflamatórias que poderiam, no futuro, oferecer uma solução eficaz para o tratamento de feridas crônicas na pele, especialmente aquelas que afligem pacientes com diabetes. Resultados promissores de experimentos em animais foram recentemente divulgados na prestigiosa revista Biomedicine & Pharmacotherapy.
O Brasil enfrenta um desafio significativo no que diz respeito ao diabetes, sendo o sexto país com o maior número de casos da doença, que agora atingiu proporções epidêmicas e é classificada como a quinta principal causa de morte no mundo. Isso significa que aproximadamente 17,7 milhões de brasileiros lidam diariamente com as complicações metabólicas resultantes da deficiência na produção e ação da insulina, incluindo condições como nefropatias, neuropatias e, especialmente, dificuldades na cicatrização de feridas. É estimado que um a cada cinco pacientes com diabetes desenvolva feridas crônicas, como a temida úlcera do pé diabético.
Em indivíduos saudáveis, ferimentos na pele desencadeiam uma sequência de eventos que levam à cicatrização: as plaquetas controlam o sangramento, fornecendo um suporte estrutural para a proliferação celular, ocorre a formação de novos vasos sanguíneos e a deposição de colágeno. No entanto, para pacientes com diabetes, esse processo é muito mais complexo. A hiperglicemia aumenta a produção de oxidantes, substâncias derivadas do oxigênio, e, ao contrário da cicatrização normal, as feridas diabéticas são notáveis por uma inflamação exacerbada e problemas na formação de vasos sanguíneos.
Recentemente, hidrogéis de natureza biológica têm demonstrado eficácia na aceleração do processo de cicatrização de feridas, graças ao ambiente úmido e estéril que proporcionam. Neste contexto, pesquisadores das universidades Estadual Paulista (Unesp) e Federal de São Paulo (Unifesp) realizaram um estudo apoiado pela FAPESP, durante o doutorado de Monielle Sant’Ana Leal, para desenvolver um hidrogel inovador. Esse hidrogel é baseado na proteína anexina A1, cujo papel na regulação da inflamação e proliferação celular já havia sido demonstrado em estudos anteriores conduzidos pelo mesmo grupo de pesquisa. No artigo mais recente, os cientistas descrevem como esse tratamento tem a capacidade de modular o microambiente das lesões, favorecendo a regeneração do tecido.
Os testes realizados com camundongos induzidos a desenvolver um quadro semelhante ao diabetes tipo 1 revelaram resultados notáveis. Três dias após a indução das lesões, houve uma redução significativa das células inflamatórias nos animais tratados com o hidrogel contendo AnxA12-26 (os aminoácidos que vão do número dois ao 26 na cadeia de peptídeos que forma a proteína). Após 14 dias, as feridas nesses animais já estavam completamente cicatrizadas.
Em contraste, os animais que não receberam tratamento e apenas tiveram aplicação de hidrogel apresentaram as características típicas da fase aguda da inflamação, com lesões mais intensas no terceiro dia.
Análises detalhadas demonstraram que o tratamento favoreceu a regeneração do tecido, promovendo a proliferação de queratinócitos, células vitais na restauração da homeostase da pele, reduzindo a presença de macrófagos, células-chave no processo de cicatrização, e aumentando os níveis de fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), uma substância que estimula o crescimento de novos vasos sanguíneos.
Testes de citotoxicidade in vitro, conduzidos para avaliar como as células da pele reagem ao hidrogel, asseguraram a biocompatibilidade do produto, sugerindo que ele é seguro para aplicação tópica.
Sonia Maria Oliani, pesquisadora do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce-Unesp) e coordenadora do estudo, enfatiza as vantagens do hidrogel. Ela destaca que o hidrogel é altamente absorvente, mantendo o ambiente úmido ideal para a cicatrização e demonstra eficácia em acelerar o processo de cicatrização, reduzindo o tempo necessário para a completa recuperação da lesão.
Em resumo, trata-se de uma abordagem promissora e econômica que pode ampliar as opções terapêuticas para o tratamento de feridas diabéticas.
Além disso, o hidrogel desenvolvido pelos pesquisadores possui a vantagem da facilidade de produção e do baixo custo, um fator crucial considerando os gastos anuais com diabetes na América do Sul e Central, que ultrapassam os US$ 65,3 bilhões. Os pesquisadores também estão investigando o potencial do produto no tratamento de lesões na mucosa bucal.
Fonte: Correio Braziliense
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