“Tinha medo de que alguém do meu trabalho descobrisse e que eu pudesse ser demitido por isso. Já sofri preconceito de uma pessoa da área da saúde”, diz jovem após descoberta do HIV - FRONT SAÚDE

“Tinha medo de que alguém do meu trabalho descobrisse e que eu pudesse ser demitido por isso. Já sofri preconceito de uma pessoa da área da saúde”, diz jovem após descoberta do HIV

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) o HIV ainda é um problema de saúde global. De acordo com estimativas do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS), 38,4 milhões de pessoas conviviam com o HIV em 2021, sendo que 1,5 milhão se infectaram com o vírus e 650 mil morreram por doenças relacionadas à AIDS. O Dia Mundial da Luta contra a Aids, celebrado em 1º de dezembro, tem o intuito de levar informação a respeito da doença e de apoiar pessoas na luta contra o HIV.  

W. L descobriu que estava infectado com o vírus do HIV em 2014, após ter feito alguns exames de rotina. “Eu sempre fiz exames de IST por ser uma pessoa sexualmente ativa, mas teve um ano que eu acabei não fazendo, e durante uma consulta médica, meu médico perguntou se eu queria fazer algum outro exame e lembrei desses e realizei, mas o laboratório me ligou pedindo para coletar sangue novamente. Eu não sabia que era para confirmar a positividade do resultado. Recebi o exame por e-mail, na hora do meu trabalho. Depois de ler com clareza, percebi que eu estava com HIV. Foi como se tivessem tirado todo o sangue de mim e me dado um banho de água gelada”, conta.  

A infectologista Vanessa Santos explica que apesar do progresso, a doença ainda é estigmatizada e discriminada pelas pessoas. “Infelizmente, pleno ano de 2022, eu ainda acredito que o maior desafio é o preconceito. Hoje nós temos avanços, alternativas muito melhores e promissoras de tratamento e prevenção contra o vírus, porém ainda convivemos numa sociedade preconceituosa, que mantém tabus, que culpabiliza, e isso é muito triste, pior, um absurdo e inaceitável. A mudança cultural e estrutural que precisa acontecer nas políticas públicas, e quem sabe até na nossa cabeça, na casa da gente, é urgente”, pontua. 

 W.L lembra que já foi discriminado por pessoas que não imaginava. “Já sofri preconceito de uma pessoa que eu estava conhecendo da área da saúde que trabalhava na área de infectologia. Percebi que não seja necessário falar para ninguém, a não ser para a pessoa que você estiver se relacionando, por uma questão de respeito pela pessoa”, pontua.  

Mesmo com o problema cultural e de informação, há boas notícias também. Em 2016, os países membros da Organização Pan-Americana de Saúde aprovaram um plano de ação para a prevenção e controle da infecção pelo HIV e infecções sexualmente transmissíveis 2016-2021, que tem a intenção de criar resposta acelerada, focada, mais eficaz, inovadora e sustentável e gerar vias para acabar com a epidemia de AIDS e Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) como problemas de saúde pública na Região das Américas até 2030. 

 Segundo a especialista, os maiores avanços da doença estão relacionados à vacina em estudo. “O Brasil está incluído num grande estudo, o estudo mosaico, que vai tentar comprovar que o regime experimental de vacina pode prevenir a infecção pelo HIV na América do Norte, América Latina e Europa. Para fazer isso, o estudo incluirá homens cis e pessoas trans que fazem sexo com homens cis e/ou pessoas trans. Se o Mosaico conseguir mostrar que o regime de vacinas do estudo funciona, será um passo muito importante no caminho para encontrar uma vacina segura e eficaz para a prevenção do HIV”, destaca.  

W. L detalha que o medo não o impediu de entender mais sobre a doença, e que hoje, já consegue lidar com a situação. “Hoje, eu lido isso com muito mais tranquilidade. Não conseguia ficar com ninguém e tinha medo de que alguém do meu trabalho descobrisse e que eu pudesse ser demitido por isso. Mas quanto mais eu pesquisava sobre o assunto, mais tranquilo eu ficava e com o tempo pensava numa forma de falar sobre o assunto. Agora, tudo fica mais natural”. 

Para a médica, os principais desafios no combate à doença ainda estão relacionados ao cenário de preconceito e intolerância que se alimenta da falta de informação. “A principal arma que nós temos contra esse vírus hoje é todo conhecimento que nós adquirimos ao longo dos anos. E isso precisa ser conversado. Discutir a prevenção, a relação sexual, assuntos tão importantes, muitas vezes debatidos em mesa de bar, é tarefa indispensável e deveria ser meta primordial de qualquer gestor municipal, estadual ou federal. As campanhas de prevenção precisam mudar de cara, a transmissão não acontece só no carnaval. Muitas vozes com lugar de fala estão caladas”. 

W. L conta que segue o tratamento à risca e o realiza pela rede pública de saúde. “Eu tomo meu medicamento todo dia no mesmo horário e faço meus exames periodicamente e tudo custeado pelo governo, eu não pago nada. Eu faço dois exames a cada seis ou um ano, para saber como estar minha carga viral e meu CD4 e CD8, que são importantes para o sistema imunológico”. 

A infectologista detalha que o tratamento correto traz uma carga viral indetectável, o que significa que a doença está totalmente sob controle. E recentemente estudos demonstraram inclusive que o indivíduo com carga viral indetectável não transmite o vírus.  

A médica aponta sobre a importância dos exames citados por W.L para quem tem a doença, além de falar sobre a qualidade de vida dessas pessoas. “São exames de monitoramento, pra checar se o tratamento está eficaz contra o vírus, isso é muito importante. O vírus pode estar resistente e quanto antes chegarmos a essa conclusão, melhor. Estilo de vida com hábitos saudáveis faz um bem danado para todo o universo, e não seria diferente pros pacientes portadores do vírus. Muitas vezes, a doença é o empurrão que faltava e alguns pacientes se tornam muito mais saudáveis depois do diagnóstico. Um exemplo que eu conto inclusive para todos os meus pacientes”, finaliza.