Nunca é demais lembrar que os cuidados com a saúde de uma criança começam na alimentação. Tanto deficiências quanto excessos de nutrientes não são benéficos para o desenvolvimento adequado dos pequenos. Existe, inclusive, um pensamento popular de que “criança saudável/bonita é a criança gordinha”, mas não é bem assim. Problemas como sobrepeso, obesidade e carências de micronutrientes (a chamada “fome oculta”) são uma crescente na sociedade atual. E quando o assunto é a prevenção da obesidade infantil, algumas atitudes simples podem evitar que esse problema se instale no dia a dia das famílias, uma vez que a doença é multifatorial e envolve hábitos desenvolvidos desde antes do nascimento.
O Atlas Mundial da Obesidade 2023 estima que, no Brasil, até um terço das crianças e adolescentes podem desenvolver obesidade até 2035. Desse total, cerca de 23% serão meninas e 33% serão meninos. Os números são alarmantes por si só, já que, até o ano de 2020, 12,5% das meninas e 18% dos meninos estavam diagnosticados nessa condição. A preocupação se eleva quando o mesmo estudo calcula um crescimento na quantidade de crianças obesas no país de 4,4% ao ano, maior do que o dos adultos (2,8%).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a obesidade infantil uma epidemia, tornando-se um dos problemas de saúde mais sérios deste século, devido à sua relevância clínica, epidemiológica e social. Além de trazer alterações patológicas já na infância e na adolescência, a obesidade infantil também é apontada como um importante fator de risco para o desenvolvimento de doenças crônico-degenerativas na vida adulta, incluindo hipertensão arterial sistêmica, dislipidemias, problemas ortopédicos, diabetes tipo II e alguns tipos de câncer.
A programação do metabolismo e do paladar da criança desde a vida intrauterina, com a adoção de uma dieta saudável pela mãe durante a gestação, é o primeiro passo para diminuir as chances de desenvolvimento da obesidade. Vale lembrar que todo o esforço pode fracassar se, durante a amamentação e na introdução alimentar, esse modelo de alimentação não for mantido. Além disso, quando a criança consome alimentos inadequados, ocorre um descontrole no metabolismo, elevando a necessidade de ingestão de comida e diminuindo a sensação de saciedade.
Embora seja consenso geral que uma criança bem alimentada é aquela que termina todo o prato, é fundamental não obrigá-la a fazer isso. A justificativa aqui é de cunho emocional: em busca de agradar aos pais, a criança pode comer além do que consegue, não por estar com fome, mas para obter reconhecimento ou para evitar punições, o que dificulta para o organismo infantil distinguir quando já está saciado. Além disso, é importante evitar oferecer doces em troca do prato limpo.
Durante o crescimento, é natural que a criança apresente certa preferência por alimentos ricos em carboidratos. No entanto, essa seletividade não deve ser reforçada, pois, além de aumentar as chances de sobrepeso e obesidade, causa limitação no fornecimento de micronutrientes – vitaminas e minerais – por meio da alimentação, podendo resultar em carências nutricionais pontuais (fome oculta), principalmente deficiências de ferro e de vitamina D. Por isso, vale a pena insistir em oferecer um “prato colorido”, com uma boa variedade de alimentos saudáveis, mesmo que a criança não goste muito. Essa recusa a frutas, legumes e verduras é apenas uma fase e vai passar se o cuidador da criança for persistente e ensiná-la a comer corretamente.
Mesmo que a obesidade também tenha um fator genético envolvido, é importante salientar que outros fatores, como ansiedade e alguns distúrbios psicológicos, estilo de vida sedentário, problemas familiares, alterações endócrinas e uso excessivo de telas, sobretudo na hora das refeições, têm grande relevância e podem agravar o quadro.
Quando se trata de saúde, todo esforço é válido e a palavra-chave sempre é “equilíbrio”. Buscar hábitos de vida saudáveis o quanto antes ajuda a prevenir complicações e faz parte do tratamento de várias patologias. A obesidade infantil deve ser desmistificada e, cada vez mais, abordada de forma precoce, multiprofissional e interdisciplinar, a fim de prevenir danos muitas vezes irreversíveis.
Por Thyrseane Andrade, médica pediatra e professora da IDOMED Castanhal
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