“Por muito tempo a sociedade achava bonito o médico dizer que não tem tempo, que está ocupado demais, se ausentando de programas familiares. Mas hoje nossa geração vem colhendo frutos desse pensamento, com o adoecimento mental. Precisamos começar a avaliar o que de fato é importante.” Cita a psiquiatra Sofia Cunha especialista em Psiquiatria Adulta.
Mesmo com o fim da pandemia da COVID-19, as consequências causadas por ela ainda estão presentes na sociedade. Um caso típico que fora previsto, mas que não foi levado a sério devido a urgência da pandemia, foi o agravamento da saúde mental dos profissionais da saúde, em especial os médicos. Apesar da pandemia ter piorado, o enfraquecimento da saúde mental desses profissionais já vem acontecendo há algum tempo, mas que não foi debatido e monitorado como agora.
Um estudo recente do instituto educacional Afya intitulado Panorama da Saúde Mental 2022 fez uma pesquisa sobre os profissionais de medicina, onde 3.500 participantes de diferentes áreas como generalistas, especialistas e em especialização e em diferentes momentos de suas carreiras como recém-formados e com mais de 30 anos de atuação, responderam um questionário online sobre estresse, adoecimento psicológico, relação com as instituições empregadoras, hábitos de vida e satisfação com a vida e o trabalho.
A especialista explica que a saúde mental dos médicos se agravou com a pandemia assim como a da população geral. E sempre aconteceu e vem piorando. “O médico geralmente não tem um médico próprio, há uma negligencia em relação a própria saúde, se auto medicam com frequência. Existem artigos atestando o aumento da mortalidade dos médicos por doenças cardiovasculares e pelo suicídio. Por isso a importância de abordarmos mais a saúde mental do médico”.
Na pesquisa mostrou que os médicos além de trabalharem mais de 40 horas semanais, em redes de saúde pública e privada, não tinham uma boa noite de sono, somente 35% tinham 06 ou mais horas de sono. E que 70% praticavam irregularmente ou não praticavam exercício físico e meditação para aliviar o estresse. Mas que a maioria conseguia seguir uma alimentação balanceada e saudável.
A psiquiatra justifica as causas desse adoecimento dos profissionais: “o médico trabalha em média 15 horas por semana a mais do que os outros profissionais – não incluindo a enfermagem, pois também é uma profissão suscetível aos mesmos adoecimentos que citamos, sem contar com a sobrecarga de demandas, o baixo reconhecimento, algumas vezes o problema com a gestão ou liderança dos empregadores”. Sofia ainda cita que o profissional de medicina precisa lidar com a dor e o sofrimento, lidar com a intimidade emocional e com as incertezas e limitações do conhecimento médico e do sistema assistencial que se contrapõem às demandas e expectativas dos pacientes e familiares que desejam certezas e garantias.
Na pesquisa realizada pela Afya, outro fator que os participantes atribuem para o aparecimento de doenças é o estresse causado pelo descontentamento com o sistema de saúde e as condições de trabalho, seguidos da elevada demanda de trabalho e poucas recompensas profissionais.
Sofia afirma que as principais doenças que os médicos apresentam são: “depressão, ansiedade, burnout, uso de drogas. E após a pandemia incluímos o transtorno de estresse pós traumático”. De todas as doenças, uma em especial se destaca: “todas apresentam uma relevância significativa, mas o burnout apresentam mais pesquisas.”
Segundo o Ministério da saúde, Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade. A principal causa da doença é justamente o excesso de trabalho. Esta síndrome é comum em profissionais que atuam diariamente sob pressão e com responsabilidades constantes, como médicos, enfermeiros, professores, policiais, jornalistas, dentre outros.
No Panorama mais de 1 em cada 3 médicos apresenta sintomas de burnout, mas não buscaram ajuda profissional. Em 67% das respostas o surgimento da síndrome de burnout aconteceu nos 12 meses que antecederam a pesquisa que foi realizada em junho e julho desse ano. E o que mais contribuiu para o os sintomas da Síndrome foi o número excessivo de horas de trabalho, seguido de salários insuficientes e falta de realização profissional.
Para prevenir que isso aconteça no futuro ou esteja acontecendo, Sofia aconselha que os médicos cuidem de sua saúde mental e física: “aprender a gerir o seu tempo, sentimentos, trabalho, família e lazer. Saber a hora de pedir ajuda. Não somos super humanos (como nos fazem acreditar). Nós também adoecemos e precisamos nos cuidar. Ter os nossos médicos”. Lembra também que o cuidado não começa quando inicia o trabalho, mas também na formação e enfatiza: “nas faculdades implementar um suporte psicológico ao estudante de medicina seria fundamental. Nos hospitais, gestores precisam implementar estratégias e realizar treinamento para controle para reduzir o estresse. Perguntar com mais frequências pontos que precisam ser melhorados ou pontos/fatores de maiores desgastes, como as jornadas de trabalho. E melhorar a comunicação e incentivar o autocuidado dos profissionais”.
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