Esquema multimilionário utiliza dados de médicos para influenciar prescrições e gera preocupações sobre privacidade e ética
A indústria farmacêutica brasileira está envolvida em um extenso esquema de monitoramento das prescrições médicas no país, revelou uma investigação exclusiva do UOL. O sistema, que envolve grandes redes de farmácias, empresas especializadas em dados e fabricantes de medicamentos, processa anualmente mais de 250 milhões de prescrições. Este “Big Brother das Receitas” levanta preocupações não apenas sobre privacidade, mas também sobre conflitos de interesse e ética na prática médica.
Ao entregar sua receita em uma farmácia, muitos pacientes não têm conhecimento de que o número do registro profissional médico, o CRM, está sendo anotado. Esse sistema privado, operado por farmácias associadas à Abrafarma, é destinado a alimentar a indústria farmacêutica com informações detalhadas sobre as prescrições médicas, incluindo medicamentos de venda livre, tarja preta, cosméticos e produtos infantis.
Farmácias associadas à Abrafarma, como RaiaDrogasil, DPSP e Drogaria Araújo, atuam como “informantes” nesse esquema, sendo responsáveis por três quartos das prescrições monitoradas no Brasil. Algumas delas têm metas específicas para incluir prescrições no banco de dados, cobrando funcionários caso essas metas não sejam atingidas.
As prescrições capturadas são transmitidas para duas empresas multinacionais de dados: Close-Up e IQVIA. Essas empresas negociam com as farmácias para o envio das prescrições e vendem as informações à indústria farmacêutica. Close-Up paga por prescrição capturada, enquanto a IQVIA, desde 2016, faz permuta de dados.
As empresas de dados enriquecem suas bases com informações sobre os médicos, incluindo preferências por genéricos, volume de prescrição e até hobbies. Esse banco de dados, que ultrapassa um bilhão de registros, é usado para elaborar estratégias de marketing médico.
Com acesso aos dados, as indústrias farmacêuticas tentam persuadir médicos a prescreverem seus produtos. Estratégias incluem amostras grátis, brindes para consultórios e, em alguns casos, viagens com todas as despesas pagas para congressos no exterior. O ciclo se repete quando novas receitas chegam às farmácias.
Muitos médicos não estão cientes de como suas prescrições são vazadas para a indústria farmacêutica. A LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) exige consentimento para o uso e comercialização de dados pessoais, mas especialistas indicam que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados ainda não regulamentou a prevalência do consentimento individual nesses casos.
Após a revelação do monitoramento das prescrições, o Ministério da Saúde emitiu uma nota repudiando a conduta da indústria farmacêutica. A pasta afirma analisar todas as denúncias e encaminhá-las aos órgãos responsáveis, reforçando seu compromisso com os direitos individuais e a LGPD.
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