Motivos vão desde maior oferta do benefício pelas empresas ao aumento na procura por procedimentos estéticos; entenda se as regras do setor são as mesmas válidas para os convênios médicos
O mercado de saúde suplementar em odontologia está em franco crescimento no Brasil. Em uma década, o número de beneficiários de planos com assistência de saúde dental saltou de 18,7 milhões para 31,3 milhões de pessoas – um aumento de 66,8%. Para efeito comparativo, no mesmo período, o número de beneficiários de planos médicos cresceu 5,3%. Ou seja, o número de consumidores de planos odontológicos cresceu 10 vezes mais do que o de convênios médicos.
Mesmo com o salto significativo, as principais empresas do setor ainda vêem espaço para crescimento nos próximos anos, já que esse número de usuários representa apenas 15% da população brasileira.
“No Brasil, o mercado de planos odontológicos é subpenetrado e há, sem dúvidas, muito espaço para crescimento. Ao analisarmos o setor, apesar da grande oferta de serviços e dentistas no país, apenas cerca de 15% dos brasileiros possuem planos odontológicos. A capilaridade que oferecemos é uma importante característica para chegar nesse cliente”, afirmou Rodrigo Bacellar, CEO da Odontoprev, uma das maiores operadoras do Brasil (dona de cinco marcas), que conta atualmente com 8,4 milhões de usuários e 27 mil dentistas cadastrados, distribuídos em 2.500 municípios do país.
Uma das explicações para esse aumento expressivo de pessoas com planos odontológicos é a inclusão desse benefício em rodas de negociação de convenções coletivas de trabalho. Outra justificativa é o preço acessível dos produtos – os valores dos planos mais básicos custam a partir de R$ 15 por pessoa e alcançam cerca de R$ 45 em coberturas mais amplas, um valor muito menor do que o pago em planos médicos/hospitalares.
“As pessoas podem ter produtos de qualidade com preços acessíveis que não comprometem a renda familiar, o que é um fator relevante para manutenção do plano odontológico. Notamos também um aumento na procura por procedimentos estéticos. Algumas pessoas têm buscado opções de planos com cobertura para uma eventual correção ortodôntica, colocação de próteses ou clareamento nos dentes”, afirmou Heitor Augusto, diretor comercial Saúde & Odonto da SulAmérica, que conta hoje com 2 milhões de usuários e 12.500 dentistas cadastrados.
Para Jaqueline Sena, vice-presidente de Odontologia, Marketing e Relações Públicas da Hapvida NotreDame Intermédica, o crescimento do mercado pode ser atribuído também à grande oferta de profissionais. “Somos um dos países que mais formam dentistas. Isso torna o acesso mais fácil e democratiza a odontologia”, avalia Sena. A operadora conta com 7,2 milhões de usuários e 24 mil profissionais.
A advogada Marilene Rodrigues atua como assessora de negociações entre empresas e sindicatos (ela representa o trabalhador) e diz que, há pelo menos cinco anos, a inclusão do plano dental como benefício tem sido usado como uma “excelente moeda de troca” na hora de negociar. Dados da Pesquisa Aon de Benefícios, realizada em 2021, indicam que 91,7% das empresas brasileiras oferecem planos odontológicos aos funcionários, sendo o terceiro benefício mais prevalente no país.
Segundo Rodrigues, os índices da inflação têm tornado difícil negociar reajustes salariais mais robustos com os sindicatos patronais. “Qualquer reajuste monetário que o patrão inclua no salário tem impacto direto sobre a folha de pagamento. Então, quando vamos iniciar uma negociação, já apresento uma proposta de inclusão de benefícios sociais porque eles não geram encargos. É um ganha-ganha. É vantajoso para o empregador e também para o funcionário”, explicou a advogada, ao acrescentar que acabou de conseguir incluir esse benefício em uma rodada de negociação com o sindicato dos Institutos de Beleza.
Uma vez que o benefício do plano odontológico conste na convenção coletiva de trabalho, o empregador é obrigado a fornecê-lo para o funcionário. “A saúde bucal costuma ser muito negligenciada. Hoje, dificilmente um trabalhador vai ao dentista se ele não tiver um plano odontológico”, avalia a advogada, ao acrescentar que na rodada de negociação mais recente, o plano odontológico vai custar R$ 14,70 por empregado. “É um valor bastante acessível. Esse tipo de inovação não fazia parte das negociações sindicais anteriormente. Agora pedimos a inclusão de telemedicina, inclusão de seguros de vida, de planos odontológicos, entre outros”, explicou a advogada.
As regras de rescisão dos contratos dos planos odontológicos são as mesmas válidas para os planos de assistência médica. Isso significa que, em planos individuais/familiares, a operadora só pode excluir o beneficiário em caso de fraude ou inadimplência. Já nos planos coletivos, as operadoras podem cancelar os contratos sem uma razão específica. Mas, assim como nos planos médicos, a operadora precisa enviar uma notificação prévia com 60 dias de antecedência ao realizar uma rescisão contratual imotivada.
Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), até a rescisão do contrato, o beneficiário tem direito a todos os procedimentos contratados, não podendo ter nenhum atendimento negado. Mas, diferentemente do que acontece com os planos médicos/hospitalares, quase não há judicialização dos planos odontológicos por causa de coberturas negadas ou contratos encerrados.
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“No nosso escritório não temos judicialização de planos odontológicos nem com relação a reajuste nem com relação à negativa de cobertura. Não vemos os mesmos problemas que existem nos planos de saúde. O que costuma acontecer é uma insatisfação dos prestadores com as operadoras por causa da remuneração. Mas não temos conhecimento de problemas envolvendo o consumidor”, afirmou o advogado Rafael Robba, especialista em direito à saúde do escritório Vilhena Silva.
De fato, o número de reclamações é ínfimo. Segundo a ANS, no ano passado inteiro o órgão registrou 2.143 queixas de usuários de planos odontológicos por negativas na cobertura e 1.041 reclamações por rescisão contratual – menos de 1 caso para cada 10 mil beneficiários. Ainda segundo a agência, mais de 90% das reclamações são resolvidas.
Ao mesmo tempo em que o número de usuários não para de crescer, a quantidade de operadoras que atuam exclusivamente na área da odontologia caiu 30,23% no período de dez anos, saindo de 344 em 2013 para 240 em 2023.
A ANS informou que não possui um estudo específico que justifique essa queda, mas elencou alguns fatos que podem explicar a redução: o fato de existirem operadoras médico-hospitalares que também oferecem assistência odontológica e concorrem com as operadoras exclusivamente odontológicas, além da falta de adequação às regras de autorização de funcionamento, ou seja, as operadoras que não possuíam estrutura suficiente para continuidade da sua operação de forma sustentável saíram do mercado.
“A ANS lembra que todos os mercados que passaram de uma fase com pouca ou nenhuma regulação para um ambiente regulado já vivenciaram o mesmo processo. Assim, só seguem no mercado aquelas empresas que garantem aos consumidores segurança e qualidade de serviços e que se mantêm atentas às regras às quais estão submetidas”, informou a agência em nota.
Atualmente, a Odontoprev e a HapVida, juntas, respondem por metade do mercado brasileiro (somam 15,6 milhões dos 31 milhões de usuários). A Odontoprev oferece planos exclusivamente odontológicos e a Hapvida é parte da NotreDame Intermédica, que também oferece planos médicos.
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Segundo as operadoras, um dos principais desafios da área é conscientizar as pessoas sobre os benefícios dos planos odontológicos, já que os procedimentos curativos representam 86% dos gastos odontológicos. “Precisamos inverter a cultura de procurar tratamento apenas após o problema acontecer, viabilizando uma postura preventiva”, disse Bacellar, da Odontoprev.
Sena, da Hapvida NotreDame Intermédica, também reforça a importância da conscientização sobre a saúde bucal para ampliar o acesso. “Focamos no acesso e na democratização do serviço. Seguimos o rol da ANS, que oferece uma cobertura bastante abrangente por padrão, inclusive nas coberturas mínimas”, disse.
“Os planos odontológicos são parte importante do setor da saúde suplementar. Apesar do espaço para crescimento, o principal desafio é levar cada vez mais informação para que culturalmente o brasileiro se preocupe com a sua saúde bucal”, completou Augusto, da SulAmérica.
Texto de Fernanda Bassette para o Estadão
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