Enquanto batemos recordes de exportação de alimentos, 33 milhões de brasileiros passam fome, 125 milhões de pessoas não se sentem seguras quanto à capacidade de se alimentar no futuro, 6 em cada 10 adultos e 1 a cada 3 crianças apresentam excesso de peso e 57 mil mortes prematuras foram atribuíveis ao consumo de produtos ultraprocessados, em 2019.
Os dados constam no inquérito Olhe para a Fome e no estudo Premature Deaths Attributable to the Consumption of Ultraprocessed Foods in Brazil e foram debatidos por pesquisadores na mesa temática Tributação de Alimentos e Saúde, durante a 344ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Saúde (CNS), nesta quarta (19/07), em Brasília.
A cada etapa da cadeia produtiva a comida de verdade vai ficando mais cara, uma vez que a carga tributária incide em todas as etapas da produção, beneficiamento e comercialização, enquanto os ultraprocessados recebem crédito tributário e se tornam cada vez mais baratos e acessíveis.
Enquanto achocolatados e macarrão instantâneo têm alíquota zero de PIS/Cofins, por exemplo, um suco de frutas integral incide 9,25%. O refrigerante apresenta uma alíquota de IPI em torno de 2,6%, a mesma de uma água mineral. Em São Paulo, a salsicha é um item presenta na cesta básica e tem a mesma alíquota de ICMS do arroz e feijão, que é de 7%, o mesmo ocorre com o macarrão instantâneo na Bahia. Enquanto uma lata de refrigerante recebe subsídio, uma abóbora orgânica chega no fim da cadeia produtiva pagando 18% de imposto.
No país de contrastes e insegurança alimentar, quem mais sofre com esta realidade são as minorias étnicas e de baixa renda. 65% dos lares comandados por pessoas pretas e pardas convivem com restrição de alimentos, enquanto o aumento do consumo de ultraprocessados, nos últimos dez anos, foi mais expressivo entre a população negra, indígenas, moradores da área rural e das regiões norte e nordeste.
“É fato que a comida saudável está cada vez mais distante da mesa dos brasileiros, o tipo de alimentação está mudando. Em 2022, os alimentos ultraprocessados se tornaram mais baratos do que a comida de verdade no Brasil e isso é uma situação gravíssima e está colocado no centro das discussões e das controvérsias em torno da reforma tributária”, afirma Paula Johns, conselheira nacional de saúde e representante da Associação de Controle do Tabagismo, Promoção da Saúde e dos Direitos Humanos (ACT).
Impacto na saúde
A alimentação não-saudável causa grandes impactos na saúde pública e o SUS vive uma sobrecarga no tratamento de obesidade, doenças cardíacas, câncer, diabetes, doenças renais, cerebrovasculares e osteomusculares. Somente o consumo de bebidas açucaradas impactam o SUS em R$ 3 bilhões ao ano, com o cuidado e tratamento das doenças provocadas.
Segundo Paula Johns, as políticas fiscais e econômicas no Brasil não são desenhadas para promover o acesso à alimentação saudável, mas sim para estimular a produção de commodities, alimentos industrializados ultraprocessados e formação de oligopólios. “Quando olhamos para a cadeia produtiva da soja o tamanho do “bolsa-soja” no Brasil é algo inacreditável. Não faz mais sentido esse tipo de incentivo, temos todas as condições de olhar o que a gente quer incentivar para garantir uma alimentação adequada para todos, sem exceção”, avalia.
Propostas
Os pesquisadores defendem uma reforma tributária a favor da saúde, que seja saudável, sustentável e solidária, com isenção de ICMS para frutas, ovos, alimentos da sociobiodiversidade, arroz, feijão e demais alimentos in natura. Assim como um imposto seletivo para produtos nocivos, especialmente bebidas açucaradas, tabaco, álcool e combustíveis fósseis, com mecanismo de arrecadação pública para a promoção da saúde da população e preservação do meio ambiente.
As propostas também incluem o aumento da alíquota do IPI, PIS/Cofins e ICMS para ultraprocessados, a retirada de subsídios dos refrigerantes e das bebidas açucaradas e a criação e um tributo seletivo para os ultraprocessados de, pelo menos, 20% como recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Para o presidente do Instituto Justiça Fiscal e membro do Sindfisco, Dão Real Pereira dos Santos, a fome no país poderia ser erradicada com uma ou duas medidas tributárias. “Em 2020, tivemos distribuídos mais de R$ 513 bilhões de reais de rendimentos de lucros e dividendos para pessoas físicas, sem cobrança de imposto de renda. Se a gente aplicasse sobre esse rendimento a mesma alíquota que nós pagamos poderia se arrecadar R$ 130 bilhões a mais”, afirma.
“Mais do que tributação a gente tem de começar a discutir como a gente constrói mercados efetivos onde os pobres do país produzam para os pobres comerem. Hoje isso está invertido, quem vai na feira agroecológica não é o cidadão que mora na favela, é a classe média e classe alta, que consome produto sem açúcar e sem sal”, completa o integrante da Comissão Intersetorial de Alimentação e Nutrição (Cian) Marcos Roshinsky, ao destacar a importância de se olhar para o modelo estrutural de desenvolvimento e produção do Brasil.
Texto da assessoria de comunicação do Conselho Nacional de Saúde
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